A expansão do Evangelho é gratuita para os pagãos, mas muito cara para os que lho transmitem. Implica a Paz de Deus acolhida e partilhada

L 1 At 14, 19-28; Sl 144 (145), 10-11. 12-13ab. 21 Ev Jo 14, 27-31a

Na experiência dos sentidos, o ser humano precisa de conhecer primeiro para depois exercer a sua capacidade de gostar do que aprendeu. Na experiência espiritual, o ser humano é tocado por um amor inexplicável e somente depois é que vai procurar de compreender os seus desígnios. Parece ser mais ou menos isso que o Senhor nos quer dizer no Evangelho: Ele dá a sua paz para que não se intimide nem perturbe o coração dos seus discípulos, de modo a que tenham claro o pressuposto de um amor ao qual são chamados a vir a dar resposta pela fé no tempo das provações. Daqui concluímos que não somos chamados a partir dos sentidos, mas da experiência espiritual pessoal e comunitária.

Há um texto de Karl Rahner que é citado recorrentemente, considerado por ele próprio como seu testamento: “O cristão do futuro ou será místico ou não será cristão, porque a religiosidade de amanhã já não será partilhada com base numa convicção pública e óbvia”.

A convicção deste teólogo é clara: a experiência religiosa ou espiritual só será possível com a experiência pessoal de Deus. Não basta estar alistado numa ata de Batismo, não basta ter conhecimentos intelectuais, nem meramente transmitir uma herança cultural ou costume social. Tudo isto pode ser um ponto de partida, mas é preciso mais: cada pessoa tem de fazer a sua própria experiência de fé e descobrir que traz no seu coração “um mistério maior do que ele próprio” (cf. H. U. von Balthasar). Foi essa experiência pessoal com Jesus Cristo que permitiu a Paulo não sucumbir às contrariedades da sua missão.

O mesmo Jesus vive a experiência do Jordão que Lhe permitiu pautar toda a sua vida e missão segundo o Espírito de Deus. O dia do seu Batismo é modelo de toda a experiência cristã de Deus. Quando, em algum momento da nossa vida ─ cada um de nós conhece o seu ─, “o céu se rasga” e as trevas nos permitem vislumbrar algo do mistério que nos envolve, o cristão, como Jesus, só ouve uma voz que pode transformar toda a sua vida: “Tu és o meu filho amado”. É muito difícil haver cristãos se não tiverem tido a experiência pessoal de se sentirem filhas ou filhos amados de Deus. Que o digam os mártires!

A paz que o Senhor transmite aos seus é o “fio de ouro” invisível que ora serve de fio condutor para aquele horizonte que dá sentido às suas vidas, ora uma “corda bamba”, mas segura, onde procurar sustentar o equilíbrio com a vara da fé e da razão.

Na manhã do passado sábado, à comunidade do Seminário de Burgos, o Santo Padre disse que “ter Deus em nós nos enche de paz, uma paz que podemos comunicar, que podemos levar a todos os povos e cidades, desejar para todos os lugares. Desta forma, preencherão com sua luz os campos que agora parecem estéreis, fecundando-os de esperança”. Neste sentido, acrescento que ninguém segue e se deixa configurar a Cristo para proveito próprio. A vocação cristã, para além de se basear no modelo da Criação, constrói-se e concretiza-se sob o modelo da Redenção: és salvo na medida em que colaborares na salvação dos outros.

As guerras não se ultrapassam com uma paz teórica, mas uma paz encarnada pela vivência da Palavra de Deus que nos induz o Espírito Santo. É uma paz que implica partilha de pão e orientação. A experiência humana implica sempre nutrição e orientação. Quando estamos a falar de experiência espiritual, não estamos a apontar para um intimismo religioso, porque experior implica cada um sair sempre de si mesmo para ir ao encontro do outro. É resposta a uma situação/contexto e aponta para um sentido último.