Há uma inflamação, a do coração espiritual, que só se cura com a audácia. Mais do que a competição, a intergeracionalidade precisa da comunhão

L 1 1Jo 1, 5 – 2, 2; Sl 102 (103), 1-2. 3-4. 8-9. 13-14. 17-18a; Ev Mt 11, 25-30 ─ Na Festa de Santa Catarina de Sena, virgem e doutora da Igreja, Padroeira da Europa

Santa Catarina de Sena viveu apenas 33 anos (1347-1380). É uma daquelas pessoas que nos faz perguntar sobre o por quê de uma tamanha entrega a Cristo desde tenra idade, podendo desfrutar de uma vida cómoda e rica, uma vez que era oriunda de uma família abastada. E fê-lo desde a idade da adolescência!

─ O que movia Catarina de Sena a um desejo de tal perfeição, de modo a ter o seu coração inflamado pelo amor a Deus e ao próximo, trabalhando incansavelmente pela paz e concórdia entre as cidades, defendendo com ardor os direitos e a liberdade do Romano Pontífice e promovendo a renovação da vida religiosa, com a escrita de importantes obras de espiritualidade, cheias de boa doutrina e de inspiração celeste?

Só encontro uma explicação, que nos foi dada no Domingo V da Páscoa: Santa Catarina foi um “ramo” que viveu sempre unido à “videira”, recebendo aquela “linfa vital” que permitiu a Deus dar por ela muitos frutos. Deixou-se “podar” à partida dos bens materiais que lhe pareceram supérfluos em comparação com a “a fonte da amizade de Deus que nunca se esgota”.

Pela leitura do Ofício deste dia, perscruto que as faculdades da alma desta Santa, a sua inteligência, a sua sensibilidade ou afeto e a sua vontade eram, de forma particularmente expressiva, expressão das pessoas da Santíssima Trindade, mistério profundo de amor onde ela procurava constantemente lançar o “balde” do seu coração, para saciar a sua sede insaciável. É desta consciência relacional entre criatura e o seu Criador que ela vai buscar toda a sua força e determinação, para aquisição e partilha do Sumo bem que por este canal se oferece.

À luz do elogio de bênção que o Senhor proclama no Evangelho de hoje, Catarina soube ser aquela “pequenina” a quem o Pai revelou as verdades do Reino. E não se poupando aos trabalhos da missão, soube descansar n’Aquele cujo jugo é suave e a carga é leve.

Uma frase dita pela personagem Brand (Anne Hathaway) no filme Interstellar (2014) ─ “A única forma dos homens chegarem a algum lugar é deixando algo para trás” ─ pode muito bem resumir quer a Palavra de hoje, quer a vida desta Padroeira da Europa. Ali aprendemos que o caminho inédito aberto por Jesus é um caminho de sentido único para a luz e “caminhar nesta luz “é estar em comunhão uns com os outros”, como nos garante o evangelista João.

Hoje rezo por esta velha Europa, para que nela a audácia dos jovens nunca deixe de nos surpreender pela coragem de alicerçar as suas vidas e missão em valores bem fundamentados, através de uma inteligência que parta de uma experiência pessoal e comunitária de Deus. Assistimos, por estes dias, a uma controversa “ascensão meteórica” de alguns jovens frente à competitividade da carreira de pessoas mais velhas, na corrida a altos cargos políticos. Lembro-me de ter ligo numa das obras do Padre psicólogo italiano Steffano Guarinelli o diferendo que costume existir entre os mais velhos que acusam os mais novos de ser imaturos e inexperientes para assumir papéis de relevo, e a constatação que os mais novos fazem de que nem sempre os mais experientes e supostamente mais maduros fazem as escolhas mais acertadas na hora de tomar decisões sérias. Melhor do que a competição desleal foi a interação intergeracional entre a grande influencer Catarina de Sena e o tímido Papa Gregório XI, conseguindo que este regressasse a assumir o seu papel de pontífice em Roma. Penso que é o mínimo que os mais novos podem tributar aos mais idosos: retribuir o que por suas mãos receberam da Tradição, nas horas de tomar decisões sábias para o bem de todos.