Que poder é este da Palavra que não se deixa acorrentar? É a libertação para os corações aprisionados

L 1 At 5, 17-26; Sl 33 (34), 2-3. 4-5. 6-7. 8-9 Ev Jo 3, 16-21
Reflexão, em parte, inspirada em VV.AA. Comentários à Bíblia Litúrgica. Assafarge: Gráfica de Coimbra 2, 2007.

A história real constituída pelos Atos dos Apóstolos continua a surpreender-nos sobre como Jesus Ressuscitado continua a fazer maravilhas através dos seus Apóstolos. Que poder é este da Palavra que não se deixa acorrentar? É com certeza o “poder dos sinais” de Deus em contraste com os “sinais do poder” mundano.

Anselm Grün, na sua obra Poder, uma força sedutora (Paulus 2020), sugere como fontes do poder a matéria, a origem, a maioria, o conhecimento, os sentimentos, a função, os contactos, a convicção; e como lugares de poder a casa, o mercado, o castelo e o templo. E constata que nestes lugares, aquelas fontes de poder podem ser bem usados ou mal usados, conforme o seu ponto de apoio fundamental e o seu horizonte. O poder é uma força exercida e delegada por Deus aos homens, mas que, se desligados d’Ele, também pode ser mal usado por eles.

Nos Atos, hoje, entram em confronto o castelo, representado na cadeia pública e no Sinédrio, e o templo. É curioso que, no contexto dos Atos quer o local da reunião do Sinédrio, quer a cadeia pública eram nas imediações do templo. Pelo sucedido, dá a impressão que estes poderes mal usados estarem a ser o “joio” do “trigo” que constitui a missão do templo. Hoje, como naquele tempo, os valores contidos na Palavra de Deus continuam a ser alvo de julgamentos públicos que resultam na marginalização de quem os defende ao ar livre. A Palavra de Deus tem implícita a atração para a o ensino e a ação. É performativa, como lembra o Papa Bento XVI. Parafraseando D. António Couto, na sua recente obra No meu posto de sentinela o dia inteiro (Paulinas 2024), podemos perguntar: são os Apóstolos que tomam conta do Amor ou é o Amor que toma conta deles? São eles que guardam a Palavra de Deus ou é a Palavra de Deus que lhes dá segurança?

No episódio anterior a este, a “prisão” é a do silêncio relativamente ao nome de Jesus; neste relato, estamos diante da prisão dos corpos. O ponto de partida deste agravamento é a inveja dos saduceus, de quem parte a iniciativa de mandar prender os Apóstolos. E a causa era o facto de a pregação da ressurreição que eles negavam dava razão aos seus mais diretos inimigos, que eram os fariseus. Sobretudo a partir do testemunho de Gamaliel, Lucas encontra um ponto de união entre os judeus fariseus e os cristãos no ato de fé na ressurreição. Com esta acreditamos que nem as almas, nem os corpos, ficarão presos neste mundo para sempre, na esperança da última vinda de Cristo.

Uma das conclusões que podemos tirar da primeira leitura de hoje é a confiança na proteção divina concedida por Deus aos anunciadores do Evangelho. Quando Deus quer que algo avance, toda a oposição humana acaba por resultar inútil ou ridícula. No caso, era a falta que a Palavra de Deus fazia no templo, de forma que o Anjo do Senhor liberta os apóstolos para que ali a possam ensinar. O povo precisava daquelas “palavras de vida”, as palavras que o podem conduzir para a salvação.

Amor que salva e luz que guia na verdade, é a mensagem que Jesus transmite a Nicodemos, única que leva a praticar as boas ações que permitem caminhar para a salvação. “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna” ─ há quem diga que esta talvez seja o versículo mais importante de todo o Quarto Evangelho. É a afirmação clara de que o amor de Deus é a causa verdadeira da presença de Seu Filho no mundo. Ele veio como salvador e não como condenador. Ao homem ─ a cada um de nós ─ cabe o assentimento da vontade por meio do reconhecimento na fé.