O “magis” pascal que dá sentido ao caminho quaresmal é a síntese entre o verdadeiro saber, o coerente fazer e o honesto sentir

Jr 18, 18-20; Mt 20, 17-28

Vamos subir a Jerusalém e o Filho do homem vai ser entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas, que O condenarão à morte e O entregarão aos gentios, para ser por eles escarnecido, açoitado e crucificado. Mas*, ao terceiro dia, Ele ressuscitará.

Ao fazer a lectio divina deste texto, o meu olhar decalcou em primeiro lugar a relação aparentemente desproporcionada entre o empreendedorismo litúrgico dedicado ao caminho quaresmal e ao fluir quase líquido do tempo pascal. Mas é só um pensar aparente, pois, na verdade, a Páscoa, na pastoral da Igreja, apresenta-nos, «em saída», na Liturgia da Vida, várias propostas de “ressurreição” pessoal e comunitária, como são os exemplos das Semanas das Vocações e da Vida, entre muitos outros.

Nestes dois versículos está o sumário do anúncio derradeiro da Paixão-Morte-Ressurreição que constitui o kérigma pascal. Síntese vocacional de todos os que se colocam a seguir Cristo de forma radical, até às últimas consequências.

Porém, se o evangelista nos relata o querer desviado dos discípulos, incluindo a mãe dos filhos de Zebedeu, é porque existe a probabilidade de aquela radicalidade não ser real, mas aparente.

É neste contexto que Alessandro Manenti (Vocazione, Psicologia e Grazia. Prospettive di integrazione, EDB, Bologna 20066, 79-84) ousa apresentar os meios da formação, diferenciando-os como primários e assessórios, no seguimento de Jesus Cristo:

MEIOS PRIMÁRIOS ─ Meios que por natureza ajudam diretamente a alcançar o objetivo da formação, interiorizando os valores da sequela de Cristo e da união com Deus, através de duas forças: adquirir os ideais livres e objetivos que sejam fonte de confronto contínuo (maturidade vocacional); e conhecer-se nas próprias resistências a viver os ideais (maturidade psicológica). Ei-los:

1) Discipulado

2) Ideais claros

3) Radicalidade, mas em factos

4) Ser autênticos

MEIOS ACESSÓRIOS ─ que podem beneficiar colateralmente os meios primários:

1) Experiências, mas com cuidado quanto ao horizonte/meta

2) Dinâmicas de grupo, se bem programadas e avaliadas

3) Discernimento, sobretudo pessoal


Como reflete Tomás Halik, na sua Introdução espiritual à Assembleia sinodal da continente europeu, em Praga,

Só Jesus pode dizer: Eu sou a verdade. E ao mesmo tempo diz: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Uma verdade que não fosse viva e não fosse caminho seria como uma ideologia, uma mera teoria. A ortodoxia deve ser combinada com a ortopraxis, a ação correta. E não devemos esquecer a terceira e mais profunda dimensão, a de viver na verdade. Esta é a ortopatia, paixão reta, desejo, experiência interior ─ espiritualidade. Sobretudo, é através da espiritualidade ─ a experiência dos crentes individuais e do conjunto da Igreja ─ que o Espírito gradualmente nos introduz na totalidade da verdade. As três, ortodoxia, ortopraxis e ortopatia, necessitam-se reciprocamente. Ainda que a ortodoxia (ideias corretas) possa ser intelectualmente atrativa, sem a ortopraxis (ação correta) é ineficaz e sem a ortopatia (sentimento correto), é fria, imatura e superficial.

Introdução espiritual à Assembleia

A averiguação da sincronia entre ortodoxia, ortopráxis e ortopatia pode ser uma boa forma de os educadores na fé, os formadores na vocação e os agentes pastorais em geral verificarem se os meios acessórios com os quais gastamos a maior parte do nosso tempo pedagógico chegam a pôr em ação os meios primários do seguimento de Jesus, como se de uma tabela se tratasse:

OrtopatiaOrtopráxisOrtodoxia
Discipulado???
Ideais claros???
Radicalidade em factos???
Autenticidade???

* No Latim, “mas” diz-se “magis” (cf. Infopédia). Por vezes, num caminho libertador, podemos correr o risco de nos contentar-nos com o “menos”, desviando-nos do propósito inicial. Foi o que aconteceu com o povo hebreu no deserto, querendo desistir por causa da fome das coisas terrenas, esquecendo-se da terra prometida (onde corria leite e mel) e querendo voltar para o Egito, comendo a carne e o pão dos escravos: Toda a comunidade dos filhos de Israel começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão. Disseram-lhes os filhos de Israel: «Antes tivéssemos morrido às mãos do Senhor na terra do Egipto, quando estávamos sentados ao pé das panelas de carne e comíamos pão até nos saciarmos. Trouxestes-nos a este deserto, para deixar morrer à fome toda esta multidão»(Êxodo 16, 1-18. 35).

No caminho quaresmal, devemos atende sempre ao mais que é a promessa da Ressurreição, não nos deixando escandalizar pelo sacrifício (sacrum facere, fazer sacro que é acabar com o mal) a que nos implica o caminho.

%d bloggers gostam disto: