Os mandamentos do Senhor são sempre co-mandamentos. Realizar na perfeição a vontade de Deus neste mundo implica abrir a ferida, curar e soturar

Sir 15, 16-21 (15-20); 1Cor 2, 6-10; Mt 5, 17-37VI Domingo do Tempo Comum (A)

Se soubéssemos o dom de Deus que está na “árvore da vida”, da qual não foi nem é proibido saciarmo-nos ─ a Palavra de Deus, os Sacramentos e a Caridade ─ não faríamos do caminho da fé uma “religião de leis”. A causa desta tendência é o facto de teimarmos em ficarmos especados a olhar para a “árvore do conhecimento do bem e do mal”. Muito embora o Cristianismo tenha nascido no seio do Judaísmo, a vida em Cristo é uma proposta e uma tentativa de resolução do debate entre a autoridade divina de Jesus ─ gestão da Graça ─ e a dependência na obsessão do mérito pessoal ─ gestão do cumprimento de leis. São Paulo empenhou-se na gestão deste debate até ao fundo.

Não é que não deva haver uma declaração de fronteiras, sobretudo aquelas para além das quais a vida humana se perde, delimitando o ambiente em que se recebe e protege a vida. Quem não viu o filme animado do Rei Leão, em que o pequeno Simba pergunta ao Mufassa seu pai, que zona escura é aquela nos confins do seu reino? O rei da selva rapidamente recomenda ao filho herdeiro que não deve invadir aquele espaço, por causa do risco de perder a vida. E o fruto proibido é sempre o mais apetecido, pois o seu tio ressentido acaba por servir de “serpente” ao seu sobrinho, entusiasmando a desobedecer ao pai, que acaba por morrer ao salvá-lo. Está claro que é preciso haver fronteiras.

Infelizmente, com a colocação obsessiva da atenção na religião como mero cumprimentos de leis ou proibições, esquecemo-nos de dar atenção ─ a mais proveitosa, positiva e importante ─ em como habitar o espaço de onde se recebe e desenvolve a vida e a saúde física, psicológica e espiritual. Como habitar criativamente a vida, como criaturas?

O caminho é “abusarmos” em comer o fruto da árvore da vida, do qual Deus não nos proibiu de comer. É Jesus, na sua Palavra, nos Sacramentos e na Caridade. Deixar de visitar tanto a “árvore do conhecimento do bem e do mal”, do qual Deus nos proibiu de comer, porque só Ele é Deus.

Este é o cerne do confronto entre Jesus e os escribas. Estes estavam sempre a apontar para as leis, mesmo que delas não dessem exemplo. Jesus estava sempre a apontar para o Pai. Os escribas ignoravam que a vocação humana é um caminho de diálogo entre duas autoridades ─ a sabedoria do amor Deus e a vontade da liberdade humana ─ a partir das coisas pequenas e concretas da vida no confronto com os outros. Os mandamentos do Senhor são co-mandamentos (como sugere o inglês commandments). O que Ele manda, Ele vive, acompanhando-nos no crescimento para aonde nos quer levar.

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