Acompanhamento no discernimento da vocação: o trespasse do testemunho para o encontro com Aquele que anima, forma e envia
1 Jo 3,7-10; Jo 1,35-42
Hoje, João Batista assume o papel de animador vocacional. Depois de várias temporadas de pastoral vocacional na minha diocese, em que cumprimos o propósito de lançar sementes, entre a escuta e o discernimento, na sequência das visitas pastorais do bispo diocesano, esperaria que ficassem nas paróquias e arciprestados pessoas como este grande precursor que, simplesmente (e já não é pouco!) aponta Jesus que passa, incentivando a segui-l’O. Sucessos não são fáceis de constatar, se é que o objetivo da missão cristã é o sucesso aparente!!
Os formadores dos seminários sabem que os jovens que passam pela experiência da formação na comunidade não têm ali morada permanente. Passam os dias e ocupam-se com os métodos formativos num modo semelhante ao de João Batista: o de apontar o dedo para o Bom Pastor a Quem são convidados a seguir e a configurar as suas pessoas. À medida que os anos da formação passam, tem de acontecer este trespasse do testemunho para o verdadeiro encontro, que vai desde uma inicial resposta à pergunta de Jesus «Que procurais?», com a qual se crivam as motivações verdadeiras para a idoneidade vocacional, até ao morar com Ele e como Ele a caminho, por uma síntese vocacional afora e nunca terminada, por entre cidades e aldeias, num acesso gradual à experiência pastoral, cada vez mais animada pela amizade com Cristo e a partir da demora com Ele (no italiano “habitar” é dimorare = “demorar-se”).
Por vezes, analisa-se o convite de Jesus «Vinde ver» meramente como sendo o “apeadeiro” que é o Seminário, como se este fosse o único e o último destino do testemunho de quem diz «Encontrámos o Messias». Sim, é verdade que Jesus muda de tal maneira a vida de alguns que lhes muda o nome, certificando uma expropriação em favor da sua missão. Porém, a comunidade do Seminário ─ como se fosse só “um dia” (que terá as suas réplicas ao longo da formação permanente) ─ dá lugar a um outro trespasse, o fundamental, para que a lógica da vocação cristã funcione: sentir a tensão que existe entre o demorar-se com Jesus e o testemunho aos outros, que tem de ser cada vez qualificado, de modo que outras pessoas possam sentir-se motivados pelo conhecimento que lhes é dado acerca da convivência com Cristo. Sim, tanto mais faz sentido a experiência de uma demora com Cristo numa casa de formação, quanto, na medida do possível e organizável, pudermos fazer a gradual experiência de O anunciar aos que vivem fora.
No meio do testemunho, a palavra ocupa um lugar fundamental, ainda que não o único, uma vez que a coerência das atitudes a certifica ou contradiz. É comummente aceite pela comunidade científica que a palavra falada tem um poder criador. E porque é que o seu uso é de grande importância? Segundo descobertas recentes no campo da neurologia, o centro nervoso da fala no cérebro controla todos os outros nervos do corpo. O que dissermos e a forma como dissermos, irá ajudar ou prejudicar a forma como os outros lidam com o objeto da nossa comunicação. A língua é o menor membro do nosso corpo, mas pode dominar o corpo todo. É curioso que já a antropologia bíblica dizia isto, sem o acesso aos instrumentos de investigação que temos hoje!
João apresentou o «Cordeiro de Deus» a dois, ou seja, apontou par a mansidão de Deus presente em Jesus que é capaz de se compadecer e, inclusivamente, de «tirar os pecados do mundo» (algo inédito e escandaloso naquele tempo…). Como não podia aliciar aqueles dois a irem ter com ele imediatamente? E aqueles dois foram diretos à melhor possibilidade a respeito de Jesus, não só um encontro esporádico, mas “demorar-se” com Ele, naquele dia. E logo aquele encontro se multiplicou, com o testemunho de André a seu irmão Simão que veio a chamar-se Pedro.
A força criadora da palavra, no testemunho, pode ser colocada ao serviço dos propósitos de Deus, por aqueles que se habituaram a privar com Ele: prova disso é a eloquência com que fala João na primeira leitura acerca da semente divina que está naqueles que, não pecando, praticam a justiça do amor aos irmãos. Através do testemunho que damos na relação com os outros (dentro e fora da comunidade formativa), falamos-lhes da relação que temos (ou não) com Deus. Portanto, a história de uma vocação não precisa de muitas palavras, sendo que as que são ditas são essenciais, quer para descrever o encontro de cada um com Cristo, quer para atrair outros a um pessoal encontro com Ele, mediado pelo entusiasmo que é o Espírito de Deus que habita em nós.
O Verbo de Deus nasceu segundo a carne uma vez por todas. Mas pela sua bondade e condescendência para com os homens, deseja nascer sempre segundo o espírito para aqueles que O procuram, e faz-Se menino que se vai formando neles à medida que crescem as suas virtudes. Ele manifestou-Se em proporção com a capacidade de cada um, capacidade que Ele conhece perfeitamente. E se não Se comunica com toda a sua dignidade e grandeza, não é porque não o deseje, mas porque conhece as limitações das faculdades recetivas de cada um. Assim, o Verbo de Deus revela-Se sempre a nós do modo que nos convém, e contudo ninguém pode conhecê-lo perfeitamente, por causa da grandeza do mistério. Por isso, o Apóstolo de Deus, considerando a força do mistério, exclama sabiamente: Jesus Cristo ontem e hoje e para sempre, entendendo que se trata de um mistério sempre novo, que nunca envelhece para a compreensão da inteligência humana. (…) A Encarnação divina é um grande mistério e nunca deixará de ser mistério. Como pode o Verbo, que está em pessoa e essencialmente na carne, existir ao mesmo tempo em pessoa e essencialmente no Pai? Como pode o Verbo, totalmente Deus por natureza, fazer-Se totalmente homem por natureza, sem detrimento algum da natureza divina, segundo a qual é Deus, nem da nossa, segundo a qual Se fez homem? Só a fé pode apreender estes mistérios, a fé que é precisamente a substância e o fundamento das realidades que ultrapassam toda a perceção e raciocínio da mente humana.
São Máximo Confessor, abade, Dos “Capítulos”, distribuídos em cinco centúrias