Mt 4, 18-22; Festa de Santo André,

Este mês de novembro, que está a findar, é coroado com a Festa de Santo André, que acaba por dar-lhe o nome de “Mês de Santo André”, aberto pela celebração da Solenidade de Todos os Santos e, em particular, no dia 4, continuado pela celebração da memória de São Carlos Borromeu, padroeiro dos seminaristas, e sequenciado com a vivência da Semana dos Seminários.

Com Santo André destacamos duas dimensões fundamentais da fé, nem sempre lembradas em tempos de indiferença ao mistério cristão, que são (cf. testemunho de D. Manuel Pelino):

1ª ─ O entusiasmo pelo encontro com Cristo (estar com Cristo), experiência que André fez com João Evangelista, ambos discípulos que João Batista apresentou a Jesus, que os convidou a ir com Ele e a ver… Não basta teorias, doutrinas, ritos…, que nem sempre têm ou proporcionam este encontro pessoal com Cristo, como presença amiga.

2ª ─ A notícia do encontro com Cristo, transmitida pelo testemunho pessoal a outros, como André fez com seu irmão Simão. Portanto, a fé é um encontro e a fé leva-nos a conduzir outros até Jesus.

A estas duas dimensões, apoiado pelo Evangelho de hoje, juntaria uma 3ª que é: a sinodalidade do chamamento, tendo em vista a sinodalidade da missão (recordemos o júbilo de Jesus pelo envio dois a dois e o sucesso da missão dos 72 discípulos, no Evangelho de ontem).

Já o Papa Francisco nos garante que

A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quando se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo renasce sem cessar a alegria. (…) Da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído. (…) O bem tende a comunicar-se. Toda a experiência autêntica de verdade e beleza procura, por si mesma, expansão; e qualquer pessoa que vive uma libertação profunda adquire maior sensibilidade face às necessidades dos outros. E, uma vez comunicado, o bem radica-se e desenvolve-se.

EG n.º 1, 3 e 9

O Cristianismo é o anúncio de que Deus Se fez homem, nascido de uma mulher, num determinado lugar e num determinado tempo. O Mistério que está na raiz de todas as coisas quis dar-se a conhecer ao homem. É um Facto que acontece na história, é a irrupção no tempo e no espaço de uma Presença humana excecional. Deus deu-Se a conhecer revelando-Se, tomando Ele a iniciativa de colocar-Se como fator da experiência humana, num instante decisivo para toda a vida do mundo.

LUIGI GIUSSANI – STEFANO ALBERTO – JAVIER PRADES, Gerar rasto na história do mundo, Paulus, Apelação 2019, 13.

A excecionalidade da presença de Cristo era impressionante, para que aqueles que estavam da sua tarefa de subsistência primária ─ pois eram pescadores ─, de modo que não hesitaram em relativizar essa tarefa em favor do encontro que iria transformar as suas vidas para sempre.

Ainda ontem verificámos que a missão de Jesus é solidária, enviando os 72 discípulos dois a dois e alegrando-Se pelo êxito da missão, à luz do Espírito Santo. Hoje constatamos que Jesus também chama dois a dois para o discipulado, como se entre seguimento e missão não houvesse algum hiato, mas continuidade de um estar com o Mestre e ser enviado, na sequência de diversas etapas do viver cristão.

Há uma simpatia profunda que permeia o encontro daqueles homens que viriam a ser Apóstolos com Jesus ─ e que ultrapassa os laços de sangue ─ construída com a modalidade escolhida por Deus para que se desse o encontro: o acontecimento, não os nossos pensamentos ou criações mentais, sim, um acontecimento feito de vários factos inesperados. O “acontecimento” é diferente de evento (que representa um “vir de”); acontecimento representa sempre “ir a”, de modo que nunca se encontra fechado, mas aberto e solícito (cf. obra citada acima, 25). E o primeiro acontecimento da história é a Criação, a qual se desdobra em múltiplos acontecimentos até ao definitivo ato da Redenção.

Hoje, a palavra acontecimento está envolva em confusão, pois a coisa mais difícil de aceitar é que um acontecimento “seja aquilo que nos faz acordar para nós mesmos, para a esperança, para a moralidade” (ibidem, 27). Definindo: acontecimento é “a transparência do real emergente na experiência, enquanto proveniente do Mistério, ou seja, de alguma coisa que nós não podemos possuir e dominar” (ibidem, 26). Então, quanto tocados por uma presença assim, o homem deixa de identificar a totalidade da vida com algo parcial e limitado, dando-se conta que sozinho não consegue manter um olhar verdadeiro sobre o real.

O acontecimento cristão tem a forma de um encontro, num tempo e num espaço precisos, com uma diferença irredutível, qualitativa, que nos atrai, porque corresponde ao coração, passando também pela comparação e do juízo da razão, provocando a liberdade na sua afetividade. Como facto histórico totalizante, o encontro com Cristo não deixa ninguém indiferente, mas crente.

Como é que a memória do acontecimento passado se mantém viva na sua versão do presente? Através do reconhecimento da profundidade histórica desse mesmo encontro realizado na atualidade.

No encontro começa a fé, porque este traz consigo, veicula, torna presente, algo excecional, de não previsto, de não previsível, que investe radicalmente a vida, a ponto de lhe mudar o princípio do conhecimento, o princípio afetivo e a capacidade construtiva, de outra forma inefável, de Deus. (…) A palavra memória descreve, portanto, a história entre o acontecimento original presença inevitável, indestrutível, inegável: toda a riqueza do início se encontra no presente e é no presente que o homem descobre a divindade da origem. A memória é a história entre a origem e o agora.

Op. cit., 47-48.

Segundo “reza” o martirológio cristão, no calendário de hoje:

André, natural de Betsaida, irmão de Simão Pedro e pescador como ele, foi, primeiramente, discípulo de João Batista e, depois, seguiu a Cristo, a quem apresentou o seu irmão Pedro. Juntamente com Filipe, introduziu à presença de Jesus uns gentios que O queriam ver e foi ele também que indicou o rapaz que tinha os peixes e o pão. Segundo a tradição, depois de Pentecostes, pregou o Evangelho na região da Acaia, na Grécia, e foi crucificado em Patras. A Igreja de Constantinopla venera-o como seu mais insigne Patrono.

Como atrair, hoje, os nossos contemporâneos para Jesus Cristo? Propõe-nos Paulo: (1º) ter o nome de Jesus nos lábios (falar d’Ele); (2º) acreditar com um coração justo. Resumindo: vivendo diante dos outros com coerência entre o que dizemos de Jesus e a forma como praticamos a sua justiça. Só assim, o testemunho dos cristãos de hoje poderá servir de veículo para o encontro original e irredutível com Jesus Cristo.

Curiosamente, na ordem dos sentidos, primeiro conhece-se, depois é que vem o amor. Na ordem da experiência espiritual, primeiro acontece o amor, e só depois é que se procura conhecer ainda mais essa origem e objeto de amor. Na Igreja, temos de nos afastar da tentação de procurar que o “motor” seja meramente o saber, o poder, o fazer e o aparecer… dos mais fortes, os mais ricos, os mais hábeis, o mais célebre, o mais influente… que fazem de nós funcionários, em vez de discípulos-missionários (cf. FRANÇOIS-XAVIER BUSTILLO, no seu recente livro A vocação do padre perante as crises ─ A fidelidade criativa (Ed. do Secretariado Nacional de Liturgia, Fátima 2022, 36). Portanto, só o muito deixarmo-nos amar e responder com o amor é que poderá levar-nos a saber mais e melhor acerca do mistério de Deus que nos envolve.

Anunciar o Evangelho com “pés formosos” é tatear com delicadeza o chão da realidade humana de hoje, persistindo naquilo que é essencial e fugindo da lógica mundana que cansa, reduz e não atrai os corações. A fraternidade humana universal poderá ser, na ótima de Francisco, um instrumento para desbravar novamente o caminho que leva até Cristo, que ajude a tirar os destroços de apegos que teimem em apagar a memória daquele encontro original que está no coração da história.

Numa das suas homilias sobre o Evangelho segundo João, São João Crisóstomo diz que

André, depois de permanecer com Jesus e de aprender muitas coisas que Jesus tinha ensinado, não escondeu o tesouro só para si, mas correu pressuroso à busca de seu irmão para o tornar participante da sua descoberta. Repara no que diz a seu irmão: Encontrámos o Messias (que significa Cristo). Vês de que modo manifesta tudo o que tinha aprendido em tão pouco tempo? Com efeito, por um lado manifesta o poder do Mestre que os tinha convencido desta verdade, e por outro lado manifesta o interesse e a diligência dos discípulos que desde o princípio se preocupavam em comunicar estas coisas. São as palavras de uma alma que deseja ardentemente a sua vinda, que espera Aquele que havia de vir do Céu, que exulta de alegria quando Ele Se manifestou e se apressa a comunicar aos outros tão grande notícia. A comunicação mútua das coisas espirituais é sinal de amor fraterno, de parentesco amigo e de afecto sincero.

Leitura do Ofício

Só a seguir a este afetar-se pelo seu irmão de André é que se segue a docilidade e a prontidão do seu irmão Pedro, com quem caminha na explicação de tudo o que vivenciou até que a este também arda o coração. “Deixar-se afetar por” e “esperar a docilidade de” ─ não há outra forma de sonhar o encontro sempre original no primeiro anúncio de Jesus Cristo.

Concluindo:
Em Mc 1, 16, André sabe ser irmão no encontro com o Senhor;
Em Jo 1, 40, André sabe ser mediador do encontro do irmão com o Senhor;
Em Jo 6, 8, André sabe ser um verdadeiro ecónomo da justiça de Deus informando sobre o menino que possui os pães e os peixes para a partilha;
Em Jo 12, 22, André é, também, mediador “fora da caixa” entre Jesus e os gregos que pedem para falar com Ele.

Não deixa de ser eloquente e irredutível a comunicação entre o nosso Santo Padre e o Patriarca Ecuménico de Constantinopla, por ocasião desta Festa de Santo André, recordando o santo padroeiro da Igreja de Constantinopla e irmão de Pedro, prova viva da memória entre aquele encontro e seguimento originários da nossa mesma fé e seguimento de Jesus Cristo.

Na mensagem que lhe enviou hoje, o Papa Francisco, reconhecendo que as divisões são o resultado de ações e atitudes lamentáveis que impedem a ação do Espírito Santo, refere:

O pleno restabelecimento da comunhão entre todos os que acreditam em Jesus Cristo é um compromisso irrevogável para cada cristão, já que a “unidade de todos” (cf. Liturgia de São João Crisóstomo) não é apenas a vontade de Deus, mas também uma prioridade urgente no mundo atual. De fato, o mundo de hoje está precisando muito de reconciliação, fraternidade e unidade. A Igreja, portanto, deveria brilhar como “sinal e instrumento da união íntima com Deus e da unidade de toda a raça humana” (Lumen gentium, n. 1). (…) O diálogo e o encontro são o único caminho para superar os conflitos e todas as formas de violência.

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