«Crê o que lês, ensina o que crês e vive o que ensinas». Amar a Deus traz sempre benefícios colaterais para todos
Ao ser entregue o Evangeliário, é dito ao que vai receber o primeiro grau do Sacramento da Ordem: «Recebe o Evangelho de Cristo, que tens missão de proclamar. Crê o que lês, ensina o que crês e vive o que ensinas» (Pontifical Romano). Estas palavras consideram-se um verdadeiro projeto de santificação pessoal, voltado sobretudo para o bem dos que é chamado a servir. Por isso, guardar o mistério da fé, proclamado por palavras e obras, exige um contínuo estudo orante da Sagrada Escritura, onde se descobre a vontade de Deus e a revelação do mistério de Deus e do homem (cf. CEP, O Diácono Permanente na Igreja em Portugal ─ 5º A dimensão da diaconia na espiritualidade cristã, p. 44).
É assim que podemos entender as palavras de Jesus no Evangelho, acerca da “mais pequena letra ou o mais pequeno sinal”: deixar docilmente que, com a leitura orante da Bíblia, cada pequena letra e cada pequeno sinal construa o nosso ser, por Cristo, em direção ao Pai, no Espírito Santo. Ao completar a Lei, Jesus completa-nos a nós, se aceitarmos que o que está escrito é capaz de nos ajudar a superar as nossas fraquezas diante do projeto que Deus tem para a nossa humanidade. Assim, praticando e ensinando, viremos a ser grandes no Reino dos Céus. É, assim, pela positiva: vir a ser grande no Reino de Deus!!
O Senhor “plantou-nos” nesta terra para crescermos e não para diminuirmos. E a forma que tem de nos ajudar a crescer é “regar-nos” todos os dias com a água viva que jorra da Sagrada Escritura. E a rega com gotas pequenas é o contraste de um dilúvio. E em tempo de seca, almejamos que nenhuma gota se perca ou regresse aos céus em vão. Também o povo de Israel foi assim acompanhado no caminho para a terra prometida e para chagar a ela: dando-se-lhe a conhecer os preceitos a praticar para que tal acontecesse. Portanto, “tomar posse” da terra prometida, doravante, implica levar a sério os preceitos do Senhor. Este não tira nada, mas dá-Se todo e dá tudo.
Se, porventura, dando voz ao bel prazer momentâneo ou circunstancial, cada um se pusesse a omitir partes da verdade que salva, quando precisa, a rede que cremos servir de meio de salvação estaria rota, deitando a perder a pesca milagrosa.
Quando, em alguma crise na vida ou no serviço de um padre, se pergunta o que fazer, a melhor resposta ainda é: aceitando com humildade as limitações pessoais e, ao mesmo tempo, as exigências da vida e do ministério presbiteral, uma vez que as mesmas estão sugeridas pela experiência da Igreja, à luz do Evangelho e da Tradição, para que a vocação sacerdotal leve o padre a bom porto, com entusiasmo (= ter Deus dentro) tendo em vista a eficácia apostólica. A psicologia positiva concorda com isto quando ensina que o bom comportamento (apoiado nos valores) ajuda a curar e a ser. Por isso, o amor a Deus não pode ser um mero sentimento, mas um comportamento conforme com vontade divina. Daqui virão benefícios colaterais para quem assim se comporta e para aqueles a quem servimos, na reciprocidade de dons (sendo, por vezes, os destinatários do nosso serviço que nos dão mais do que aquilo que realmente lhes fazemos).
O mesmo se diga quando um padre toma posse de uma ou mais paróquias e/ou serviços eclesiais: a partir do seu serviço, Jesus quer completar tudo em todos. Por isso, é tão importante respeitar a profundidade da lei, como a amplitude dos seus destinatários, não se poupando a esforços para que a Palavra e os seus dinamismos salvíficos cheguem ao maior número possível. Isto exige que não só se viva intensamente o dia da tomada de posse e os ritos que a formalizam, mas o dia-a-dia da pastoral em escuta, discernimento e missão sinodais.
“O Evangelho é poder de Deus para todo aquele que crê” (Rm 1,16) (…) Jesus não deve estar no pano de fundo, mas no coração de todo anúncio. O mundo secular faz de tudo (e infelizmente consegue!) para manter o nome de Jesus longe, ou silenciado, em todo discurso sobre a Igreja. Nós devemos fazer de tudo para mantê-lo sempre presente. Não para nos refugiarmos atrás Dele, mas porque é Ele a força e a vida da Igreja.
Segunda pregação da Quaresma do card. Raniero Cantalamessa, na presença do Papa Francisco