A ânsia de quem verdadeiramente imita o Mestre é que os seus condiscípulos superem a sua missão, correspondendo aos desígnios do Espírito de Deus
O júbilo espiritual de Jesus na sequência do envio missionário e da chegada dos 72 discípulos não deixa dúvidas de que ali se cumpriu o que muitos profetas gostariam de ver cumprido, uma missão que todo o judeu gostaria de ter visto e não viu. Este episódio ─ que é querido para Lucas e Mateus (cf. 10, 25-30) ─ faz-me lembrar a alegria de alguns de entre os padres idosos das nossas dioceses que, ao ver chegar novos irmãos presbíteros à vida pastoral ─ ou, então, ao comungarem a pastoral com a presença de uma variedade de ministros que vivem alegres a sua entrega no serviço ─ vislumbram, ainda sem ver, uma nova etapa pastoral para a qual eles deram o seu melhor, apesar de já não terem as forças que gostariam; assim, também, os padres mais novos se alegrem em perceber que é pela memória dos mais idosos que a sua força pode levar mais adiante os seus sonhos. A ânsia de todo o verdadeiro israelita era ver chegar a luz do Salvador. A ânsia de todo o verdadeiro servidor do Evangelho é que pelo seu “minus-ter” (ministério=serviço humilde) se cumpra o “magis-ter” de Deus (através do magistério da Igreja).
Esta exclamação de Jesus contrasta com os Seus sentimentos pela indiferença das cidades de Corazaín, Betsaida e Cafarnaum em não terem feito penitência diante dos milagres que Ele realizou (cf. Mt 11, 20-24; Lc 10, 13-15). A diferença com o episódio jubiloso é que é o mesmo Espírito Santo que está no envio feito por Jesus, na missão dos discípulos e no seu regresso vitorioso. A alegria é a marca de uma missão sinodal. Ao contrário, os habitantes daquelas cidades, não interagiram com a ação de Jesus, por mais extraordinária que fosse.
A análise destes dois episódios ─ em que Jesus manifesta quer imprecações, quer júbilo ─ pode perfeitamente ajudar-nos a avaliar a nossa pastoral entre a empatia à luz do Espírito Santo e a sua correspondente eficácia sinodal. Por vezes, aos mais sábios e inteligentes é dado experimentar um certo mal-estar existencial diante do insucesso de certas atividades pastorais para as quais gastaram muitas energias, com pouco efeito. Por vezes, é dado aos mais simples, com uma presença humilde, encetar caminhos que levam a uma verdadeira experiência de serenidade espiritual para todos os que estão envolvidos. A grande revelação da alegria manifesta-se na forma como todos nos relacionamos na missão e, depois, pela forma como todos partilhamos os frutos da missão: todos juntos e não uns por um lado e outros por outro, apesar de parte do mesmo projeto do Reino.1
O elenco de dons descrito pelo profeta Isaías ajuda-nos a pensar que sabedoria e inteligência não bastam para a missão. Precisamos de mais: a plenitude do Espírito Santo que estava em Jesus e que Ele partilhou com os seus ao enviá-los leva aqueles dons ainda mais longe. São precisos o conselho, a fortaleza, o espírito de conhecimento e o temor de Deus, para que não nos seja ocultada a verdade do seu Reino glorioso. E os dons levam aos frutos, passando pela tal penitência que Jesus esperava dos habitantes das cidades citadas. O convívio entre todos os animais e os seres humanos, sem deixar que as diferenças de raça e de cultura causem dano, é a causa de ânsia má para toda a humanidade (diferente daquela ânsia boa acima descrita, de quem espera que se cumpra a Palavra do Senhor). Quando a paz e a justiça ─ cantadas pelo salmista ─ que Jesus nos traz fizerem parte da bandeira de todos, então não haverá mais guerra entre os povos.
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1 A este respeito, FRANÇOIS-XAVIER BUSTILLO, no seu recente livro A vocação do padre perante as crises ─ A fidelidade criativa (Ed. do Secretariado Nacional de Liturgia, Fátima 2022), dedica algumas páginas consideráveis sobre o não a dizer às vidas neuróticas, sugerindo que não deixemos que a nossa Igreja ceda à tentação de que o “motor” da pastoral seja o saber, o poder, o fazer, o aparecer… e o mais forte, o mais rico, o mais hábil, o mais célebre, o mais influente… que fazem de nós funcionários, em vez de discípulos-missionários de Jesus Cristo (pp. 36 e seguintes).