Dan 7, 9-10. 13-14; Ap 12, 7-12a; Jo 1, 47-51 ─ Festa dos Arcanjos S. Miguel, S. Gabriel e S. Rafael
Hoje, se alguém tiver alguma coisa a dizer do próprio Anjo da Guarda, para agradecer ou reclamar, é oportuno aproveitar a celebração dos Arcanjos, uma vez que o seu nome significa “chefe supremo dos anjos”.
A Igreja convoca os Arcanjos em festa, reconhecendo-lhes aquelas funções principais pelas quais refletem uma caraterística de Deus: Miguel reflete a Perfeição suprema de Deus (“Quem como Deus?”); Gabriel reflete a “Força de Deus”; e Rafael realiza a “Cura de Deus”. Estas manifestações da glória de Deus através destes Arcanjos é-nos retratada no livro de Daniel, na carta de Judas e no Apocalipse no que se refere a Miguel; no Evangelho, em torno da anunciação e nascimento de João Batista e de Jesus, quanto a Gabriel; no livro de Tobias fala-se de Rafael. Aparecem, portanto, em marcos importantes da história da salvação para mostrarem a transparência de Deus quanto aos seus atributos e vontade salvífica.
A leitura do Apocalipse mostra-nos a visão de um combate no Céu, uma luta de Miguel e os seus anjos contra o Dragão. No último Domingo, ouvimos o Apóstolo Paulo a exortar Timóteo a combater «o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e sobre a qual fizeste tão bela profissão de fé perante numerosas testemunhas» (1Tim 6,11-16).
Atualmente, por causa de especulações provocadas pelos desenvolvimentos da física quântica, fala-se muito de universos paralelos ou multiversos, constatados como previsões de certas teorias, prevendo a existência de fenómenos impossíveis de serem observados. Ora isto dá uma grande confusão e debate na comunidade científica. E investigando um bocadinho damo-nos conta que para além do avanço comedido dos cientistas, existem as fakenews de alguns jornalistas a acrescentar sempre um pouco de fantasia.
Já no se refere ao combate no Céu relatado pelo Apocalipse e ao combate da fé na terra exortado por Paulo e assumido por Timóteo, poderemos falar de uma correspondência a que podemos dar o nome de transparência, embora nem sempre em tempo real, por causa dos limites da liberdade humana. É o que nos prova o Evangelho: Jesus viu primeiro Natanael, porque o seu olhar não conhece limites; porém, Natanael só vê o Mestre quando alguém lhe fala d’Ele (testemunho), passando por um estar na Sua presença tal como é, sem fingimento. E é neste ponto que Jesus lhe promete ver mais além.
Pois é assim que nós somos convidados, também, a estar diante do Senhor, Aquele que tem «o poder, a honra e a realeza» (Dn 7.9-10.13-14), como livros abertos, com o que está escrito e o que ainda está por escrever, para que Ele possa levar-nos a ver para além das aparências, colocando-nos ao seu serviço, como que a Céu aberto, para que a relação entre a sua Palavra e a nossa vida seja o mais correspondente possível (e não paralela).
Os Arcanjos são transparência de Deus, a anunciar e a defender a presença de Jesus em nós, curando-nos da possibilidade de nos afastarmos da dignidade de filhos. Repito, hoje somos colocados pela Liturgia da Igreja diante dos “capatazes” dos nossos Anjos da Guarda! Aproveitemos a oportunidade para, através deles, invocarmos o Espírito de Deus, a sua força e cura, para que possamos vencer o bom combate da fé no tempo oportuno em que os Arcanjos combatem no Céu, por mandato d’Aquele que está no trono.
Que a caminhada de cada um de nós possa ser crescimento em transparência. Esta é a melhor arma, capaz de nos defender do mal, e é procedimento de cura que nos fará ver o supremo bem. A definição do dicionário mostra-a como uma dupla qualidade: por um lado, de quem não tem nada a esconder; por outro, do que transmite a verdade sem a adulterar. Com a transparência, poderemos sempre ir a público, com caráter de quem não é fraudulento. É assim que Jesus precisa de nós para, imprimindo em nós o seu amor, possamos dar testemunho do mesmo amor à humanidade, como aconteceu com São Francisco de Assis, na “quaresma de São Miguel” e de tantos e tantas irmãs que deram testemunho da verdade, combatendo o bom combate da fé, graças ao sangue do Cordeiro.


As brigas e lutas exteriores reconduzem sempre a uma luta interna nas pessoas: o desejo, expresso por palavras ansiosas e invejosas, encontra-se com obstáculos e com frustrações que nunca chegarão a possuir ou obter o que se deseja. As paixões, antes mesmo de se tornarem guerra e brigas entre as pessoas, combatem dentro das mesmas pessoas. A luta interior, quando descartada imediatamente, para a luta exterior, sem uma resolução da luta interna, faz com que as respostas e conquistas não correspondam com os verdadeiros desejos e perguntas. Daí ser marcada pela violência.
É compreensível que as lutas humanas, por vezes, não vão a par das “lutas” próprias do Reino de Deus. Só pela fé é que poderemos perceber e atuar de maneira a que a manifestação do esplendor de filhos de Deus possa ajudar a dar resposta adequada às lutas humanas (cf. Gaudium et Spes, 40).
Porque o verdadeiro encontro pode representar a resposta mais adequada, então prefere-se renunciar a este encontro, optando-se pela fuga ao diálogo somente mascarado por tiros de armas. Está aqui patente o mistério da tensão humana entre a abertura infinita à verdade e ao bem, e os limites colocados a essa abertura do viver concreto no espaço e no tempo da corporeidade própria e alheia.
(cf. FRANCO IMODA 2005, 11-13)