O ciclo da cura integral
[Leitura] 1 Sam 3, 1-10. 19-20; Mc 1, 29-39
[Meditação] No “dia em cheio” vivido por Jesus e os seus discípulos que o evangelista Marcos nos apresenta hoje, podemos vislumbrar um “ciclo de cura integral” na aproximação à sogra de Pedro, a saber:
0 – «A sogra de Simão estava de cama com febre…» – A doença é o que é, sem pôr nem tirar, uma experiência real que dispensa subterfúgios e comiserações; dói e impede de viver (ponto).
1 – «… e logo lhe falaram dela.» – Levar ao Senhor, na oração, o relato da doença, como Ano na sua infecundidade é o primeiro passo para a cura.
2 – «Jesus aproximou-se…» – A oração de súplica não basta, é necessário dar espaço ao Senhor, invocando também o seu Espírito para podermos discernir o que podemos fazer na participação do Seu poder. Não podemos ficar, por isso, fechados em copas, contemplando a doença do outro de fora. É preciso visitá-lo e vê-lo de perto.
3 – «… tomou-a pela mão…» – O toque, segundo o que se ouve dizer, com a máxima expressão do abraço, é o “paliativo” mais confortável, preliminar a qualquer terapia mais eficaz, que a timidez, por vezes, não deixa aplicar. Há que não ter medo de tocar…!
4 – «… e levantou-a.» – O toque não pode ser mera transmissão de afeto, mas também provocação que acende no outro a força curativa interior, para que o serviço posterior seja altruísmo e não mera resposta a um estímulo externo. Levantar-se é um sinal da pessoa restabelecida na sua identidade e determinação.
5 – «A febre deixou-a…» – Eis o efeito causado pela tal força que, ainda antes de ser totalmente livre, se exerce em colaboração com a cura. Há febres que não saem enquanto a pessoa não for determinada em (re)agir. A vontade manifestada em atos tem de ser alimentada pela coragem interior. A febre só desaparece, neste caso, pela ação da pessoa. O afeto vem de fora; o efeito vem de dentro.
6 – «… e ela começou a servi-los.» – A “prova dos nove” de qualquer cura e, também, a garantia de que seja “cura prolongada” (embora nem sempre!), é a predisposição para o serviço. Sem esta predisposição, penso que qualquer cura corre o risco de não ser tão eficaz e duradoira. É por isso que há muita gente que está sempre a “inventar” doenças (hipocondria): porque não sente vontade de viver servindo os outros. Por outro lado, há pessoas que, embora doentes, não deixam de teimar vivendo a servir: acamados a oferecer o seu sofrimento pelos outros ou de pé a colaborar pelo bem-estar dos outros.
Este “ciclo” não é mágico nem linear; é fruto da sabedoria de Deus que Jesus buscava constantemente dos “sítios ermos”, onde os “demónios” não obscurecem a consciência de se ser portador da graça divina. Perto dos doentes, Jesus não deixava que aqueles “maus espíritos” falassem, para não desviarem a atenção da terapia essencial. Infelizmente, há por aí muitas propostas ideológicas disfarçadas de “sagradas”, onde aquele “ciclo” evangélico está demitido pela tendência humana de fazer “consultório”. Há que dar a voz aos profetas que pelo “afeto” ajudem a caminhar para o “efeito”, uma vez que a maior causa das doenças atuais são os distúrbios emocionais que a maioria das pessoas (porque não nascemos com o “guião” na mão!) não sabe gerir. Até o sacerdote Heli, em relação à Ana e ao pequeno Samuel, não acertou à primeira! Deus é paciente e está sempre solícito a aproximar-se e pronto a repetir o seu chamamento de amor. Um bom profeta reconhece-se pela insistência em escutar e responder!
Por curiosidade: a honorabilidade de Hilário de Poitiers (memória facultativa) vem da sua consciência em saber consagrar a Deus a tarefa mais importante da sua vida: deixar que todas as suas palavras e pensamentos falassem de Deus. Adivinho, com a ajuda desta memória, que aquilo de que, com o amor de Deus, somos curados corresponde, potencialmente, àquilo que Deus quer que exerçamos em favor dos outros. Cada um e uma procure na sua história de curas o sentido da sua entrega! Cura/conversão e vocação têm os mesmos “carris” na história pessoal e comunitária!!
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