O encontro do discípulo com o Ressuscitado “dá à luz” uma alegria que ninguém pode “abortar”. Mas para ser missionário tem de “votar” publicamente n’Ele

At 18, 9-18; Jo 16, 20-23a

A vida humana ─ e dentro dela a vida cristã ─ faz-nos experimentar momentos de uma dramática tristeza, mas também nos poderá proporcionar momentos de profunda alegria. Temos vindo descobrir nestes dias pela escuta da Palavra que, mais do que as perguntas que gostaríamos de ver respondidas, ou seja, mais do que a compreensão rápida das Palavras de Jesus, vale mais optarmos por uma rápida e destemida relação ─ no aqui e agora ─, como quem aceita agarrar a mão que o próprio Jesus estende ao nosso encontro, quando parece que nos estamos a afundar no “vale de lágrimas”, como Pedro no alto mar (cf. Mt 14,22-36).

No meu modo destemido de ver, essa “Mão” que, hoje em dia, o Ressuscitado nos estende é o Espírito Santo, o Consolador (pelo Amor/amizade) e o Defensor (pela Verdade).

Um verdadeiro discípulo-missionário de Jesus Cristo não passa rasteiras, mas caminha rasteiro ─ e não altivo ─ começando a sua missão por baixo ─ como Paulo que tinha a mesma profissão de Áquila (cf. At 18,1-8), abraçando exclusivamente a pregação quando foi possível haver mais colaboradores. Dá-me a impressão que hoje acontece com os pastores um pouco ao contrário: somos proporcionalmente mais colaboradores do que no tempo de Paulo e há entre nós e quem exerce profissões civis um fosso frequentado por muitos servidores não reconhecidos como ministérios instituídos. A sacralização dos ministérios levou a que se veja muitas vezes uma profissão civil como disparidade de culto.

Não parar de pregar, não obstante as adversidades, é uma missão para poucos ─ implica votos daqueles de “rapar a cabeça” como Paulo fez em Cêncreas, mesmo com sinais contracorrente (canónica incluída!). Responder ao convite de Jesus «Não temas, continua a falar…» implica, por vezes, um sinal externo como aquele da Radiofonia a dizer “no ar”, quando se está em direto.

Não basta falar “à boca cheia” (coisa que também acontece tendencial e gradualmente nas redes sociais), mas ter conhecimento de causa, como se costuma dizer, para que a “bota bata com a perdigota” nas coisas que dão sentido à vida. Enfim, é preciso estar dentro do mundo, embora como seguidores tendo consciência que não somos do mundo. A este respeito, faltam-nos muito o contacto físico com a realidade e os trabalhos manuais, que a certa altura de evolução nos pareceram uma falta de tempo em relação à tendência do digital, como complementaridade a esta tendência um pouco subversiva no que toca aos relacionamentos humanos diretos.

Abro aqui um parêntesis para jogar com as palavras, com o que elas nos dizem por si próprias, no seu sentido denotativo: “digital” vem de dígitos, sendo que os que estão na base das comunicações são o 1 (um) e o 0 (zero) que, combinados de certa forma, produzem uma imagem, um texto ou um som, enfim, o audiovisual que se traduz na comunicação on-line. Já o “analógico” é relativo a analogia, implicando uma “relação de semelhança entre objetos diferentes, quer por motivo de semelhança, quer por motivo de dependência causal”. Embora o que é analógico não envolva, à primeira vista, a tecnologia digital, é mais útil à criação de um ambiente que permita a busca de relações sadias, porque nos permitem melhor passar de de uma perceção de progresso técnico a uma vontade de progresso nas relações humanas, assim como de uma mentalidade do desenvolvimento à atitude de envolvimento, de um sucesso frenético à verdadeira alegria, da ganância à gratuidade, em suma: da perceção e fundamentação da vida ex maquina a uma convicção de existirmos ex Deus.

A pastoral da Igreja, neste sentido, precisa de se parecer ainda mais com a carpintaria, com a agricultura e a pesca, uma vez que foi por aí que o Senhor Jesus começou a lidar com o mundo e as pessoas, aproveitando-se analogicamente destas realidades humanas para nos desvelar o sentido da vida em termos vocacionais e salvíficos.

Como sugere FABRICE HADJADJ, em Ressurreição, Manual de Instruções (Editorial A.O.), a agricultura gera o ambiente que permite a arte lenta da escuta, enquanto que a pesca gera a interação que permite a existência de anunciadores (cf. pp. 134-147).

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