Não se pertence nem permanece na videira que é Cristo a não ser enxertados na possibilidade de vir a dar os frutos inéditos que o Pai quer
At 15, 1-6; Jo 15, 1-8; reflexão apoiada na obra VV.AA. Comentáros à Bíblia Litúrgica. Assafarge: Gráfica de Coimbra 2, 2007.
No discurso do cap. 14 de João, Jesus falou da sua partida, garantindo aos seus discípulos que voltaria para junto deles. Na alegoria deste início do cap. 15, Jesus como que propõe uma forma de cumprir a sua promessa de estar presente nas suas vidas e de os fazer frutificar nas boas obras. Se o discurso do cap. 14 implicava acreditar em Jesus, esta alegoria implica permanecer n’Ele. Uma outra passagem do Evangelho segundo João que implica permanecer em Jesus é a que se refere à Eucaristia, no cap. 6 (v. 56). O convite a permanecermos em Cristo está intimamente ligado ao Sacramento que estamos a celebrar.
A vide, muito comum na palestina e também entre nós, exige muitos cuidados, não admira que Jesus entregue a sua vinha diretamente aos cuidados de seu e nosso Pai. Jesus não quer expor a vinha que é o Povo de Deus a calamidades como as que são relatadas em alguns textos proféticos e sapienciais. O que escutamos neste Evangelho ajuda-nos a compreender melhor o que aprendemos na Doutrina Social da Igreja sobre o princípio da solidariedade e da subsidiaridade. Para quem conhece a videira, nem todos os ramos se desenvolvem bem, mas todos requerem os cuidados da poda e da limpeza. É o divino agricultor que se encarrega desta tarefa. Jesus confia os seus ramos aos cuidados do Pai, sem deixar de nos responsabilizarmos pessoal e comunitariamente pela herança que nos deixou e de a fazer frutificar.
Neste Evangelho, há, porém, uma substituição: a vide já não é o povo judeu, mas o próprio Jesus. O agricultor ou o vinhateiro continua a ser o Pai, uma vez que no 4º Evangelho é nítida a dependência de Jesus em relação ao Pai. Dar fruto é uma imagem para indicar as boas obras. Os ramos infrutíferos são os homens sem fé e os discípulos apóstatas como foi Judas Iscariotes. A limpeza operada pelo Pai pode considerar-se a Palavra que é Jesus que, com a sua vida, comunicou tudo o que era da vontade do Pai. Uma vez limpos, Jesus pede que os discípulos permaneçam n’Ele. “Permanecer” é o termo dominante; sugere que o permanecer em Jesus resolve a sua ausência. A união a Cristo materializa a Sua presença, tendo como consequência os frutos que são as boas obras, as quais o homem não pode fazer abandonado a si próprio. Dar frutos é o distintivo do verdadeiro discípulo, não o topo da carreira, mas o início de uma pertença.
“Aquele que se apoia em Deus não se deixa abater nem pelos sofrimentos, nem pelas angústias, nem pela morte, nem pelo inferno. Quem não se apoia n’Ele, quanto medo sente, como anda preocupado!”
São João de Ávila
Os Atos dos Apóstolos, com o relato da questão da circuncisão, ajuda-nos a compreender a novidade do projeto de Deus em Jesus Cristo, que eu traduzo desta forma: não se pertence nem permanece na videira que é Cristo a não ser enxertados na possibilidade de vir a dar os frutos inéditos que o Pai quer. Todos os que acreditam em Jesus Cristo ─ sejam judeus ou gregos, etc. ─, para vir a dar frutos como discípulos têm de ser todos enxertados em Jesus pela vontade do Pai que o Seu próprio Filho nos comunicou com as suas palavras e as suas obras. Não somos enxertados em tradições humanas, mas no próprio Jesus. E nesta tarefa, como depreendemos pela resolução inspirada aos Apóstolos, nos próximos capítulos dos Atos, há que discernir tendo em conta o estar unidos no essencial e não deixar que o assessório descarte a possibilidade de outros poderem seguir a Cristo e dar muito fruto a partir d’Ele. Se, aqui ou ali, na Igreja, parece que os cristãos não estão a dar frutos, é porque se querem apoderar da vinha que só o Pai pode cuidar, não se deixando cuidar como Cristo anunciou como boa nova, a única que nos pode levar a saborear frutos de vida eterna.
Como cantamos no hino da JMJ Lisboa 2023, “Cristo vive e não nos deixa sós”, cumprindo a sua promessa de permanecer em nós, através da Palavra que nos limpa e das boas obras com que O seguimos. Cabe-nos confiar n’Ele e dar-Lhe crédito, quer dizer: pôr a render os talentos que Deus deu a cada um.
No final das contas, é o nível de alegria que nos diz se estamos enxertados em Cristo ou não. Paulo e Barnabé não levaram aos Apóstolos e aos anciãos só problemas, mas também a alegria recíproca (entre eles e os gentios crentes) fruto do que o Espírito Santo ia operando nas suas vidas. Vamos por este mesmo caminho…