Uma coisa é falarmos sobre Deus; outra coisa é dar testemunho d’Ele nas nossas vidas
At 5, 27-33; Jo 3, 31-36
Esta parte do diálogo de Jesus com Nicodemos mostra-nos que o princípio de movimento que dá verdadeiro sentido à nossa existência é Deus. Jesus distingue “o que vem do Alto” do “que é da terra”. Há, por outro lado, uma disparidade entre o “falar da terra” e o “dar testemunho do Alto”. Define-se testemunho como o “dizer palavras de Deus”, segundo o Espírito que Ele dá sem medida.
Paremos para pensar, uma vez que estamos prestes a iniciar a Semana de Oração pelas Vocações e da oportunidade renovada de podermos vir a dar testemunho vocacional credível. Sem desprestígio de bons testemunhos que tenhamos dado, convém passarmos continuamente o testemunho pessoal por este crivo: quantas vezes ou em que medida os nossos testemunhos vocacionais serão falar das coisas da terra? Identificarmos a nossa proveniência, contar a história do ponto de vista institucional, etc. Falar. Em vez de, com o Espírito sem medida que Deus nos dá, partilharmos o efeito da presença da Palavra de Deus nas nossas vidas, quando ainda estamos imersos ou atribulados por circunstâncias adversas. Testemunhar.
A vocação cristã e a vocação de especial consagração são espaço de testemunho, mais do que do falar. Dar testemunho é mais do que falar. É transparecer convicções e ações que sejam iluminadas por um amor ultramundano que nos invade e nos dinamiza. Como Jesus, um vocacionado recebe tudo das mãos do Pai para que outros possam acreditar no seu Filho Unigénito, de forma a poderem escapar à própria condenação. Então, mais do que palavras ocas, são precisos testemunhos. Um testemunho vocacional renovado deveria implicar um bloco de notas ou diário que deveria estar sempre presente na mesinha de cabeceira e em permanente atualização. Deveria ser a transparência de um exame de consciência sobre o efeito da presença de Deus na nossa vida em favor dos outros. Um testemunho vocacional cristão não deveria responder meramente ao que somos do ponto de vistabda superação humana, mas ao que Deus vai operando em cada um de nós, não obstante as nossas limitações e fraquezas. É isto que o mundo distraído das coisas de Deus precisa de escutar e ver na nossa vida: o efeito da graça da presença de Deus na história pessoal. Como o Senhor ressuscitado que entra na casa fechada dos apóstolos, levando-lhes a paz que lhes permite perder o medo e de se abrirem em missão.
Comprova o que estou a dizer a história dos Apóstolos cuja pregação acerca da doutrina de Deus era acompanhada pelo testemunho dos factos, em comunhão com o Espírito Santo que Deus dá àqueles que Lhe obedecem.
Não posso esquecer o testemunho de um meu Diretor Espiritual ao contar que só percebeu que o seu ministério sacerdotal estava a ser entrega quando as coisas começaram a ficar difíceis na relação com os seus paroquianos. Enquanto “lhes obedecia a eles” estava tudo bem (a chamada “lua de mel” de um novo pároco); quando começou a tomar posições de obediência a Deus, é que começou a haver conflitos próprios do confronto da ação pastoral da Igreja na relação com a sociedade. Na verdade, podemos ficar “exasperados” diante das más ações humanas, mas há também quem se “exaspere” por causa de boas ações ditadas pela vontade de Deus.
Paradoxalmente, tender a dar testemunho da ação de Deus nas nossas vidas, livra-nos de cair em qualquer tipo de abuso ─ de poder, de consciência ou sexual ─ uma vez que o mesmo tende a colocar-nos ao serviço do bem dos outros. É isto ser casto: querer o bem do outro em primeiro lugar. Que este seja o espírito desta jornada de oração, em comunhão com o episcopado e as nossas Igrejas particulares em Portugal.
Segundo a perspetiva sistémico-estrutural de Gauss, há na sociedade uma maioria medíocre que é o ninho onde crescem os abusadores. Paralelamente, há uma minoria prevaricadora e uma minoria virtuosa. O que fazer? Quanto a comitiva portuguesa foi a Roma acolher os símbolos da JMJ, o Cardeal Patriarca de Lisboa perguntou ao Santo Padre qual o desafio para os jovens de Portugal. Ao que Francisco responde: E-VAN-GE-LI-ZAR! Quer dizer: diminuir a maioria medíocre com o testemunho da virtude.