O jumentinho da humildade é o transporte para a glória. Os que são discípulos de Jesus distinguem-se por esta etiqueta e não outra
Mt 21,1-11; Mt 26, 14 – 27, 66 ─ Domingo de Ramos na Paixão do Senhor; reflexão adaptada da homilia do padre Ermes Ronchi.
Perguntam à Madre Teresa como se sente ao ser tão aplaudida, ao que ela responde que ficava contentíssima. Pensava em Jesus entrando de burro em Jerusalém entre os hossanas da multidão. Ela, claro, era o burro que transportava Jesus! Um burro muito feliz. Este é o papel que um cristão reclama para si, desejando desempenhá-lo bem.
Este gesto contemplado na forma como Jesus entra em Jerusalém é o que nos ajuda a definir a identidade profética do Mestre. Jesus apresenta-Se como um modesto e humilde Rei, que vem não para dominar, mas para servir e dar a vida em resgate pela humanidade.
O Evangelho da paixão mostra-nos um contraste excessivo entre a condenação de Jesus e a sua inocência. A narração de Mateus apresenta-nos Jesus como um homem inocente injustamente condenado. N’Ele, contemplamos tantos irmãos e irmãs nossos que vestem a mesma pele de gente inocente condenada por injustiças, guerras e opções ideológicas que não têm em conta a defesa da básica e comum dignidade humana. Jesus é um homem justo. Porque O condenam? Antes de mais, recordemos que aqueles que O condenaram eram os que detinham mais poder religioso, acusando-O de blasfemar, pelo facto de se chamar Filho de Deus. Os sacerdotes da religião oficial de Israel são incapazes de reconhecer a identidade de Jesus, chegando mesmo a troçar dessa identidade. Terá de ser um centurião estrangeiro a afirmar solenemente “Este era verdadeiramente o Filho de Deus” (Mt 27,54).
A paixão de Jesus é um convite a reconhecê-l’O como Filho de Deus, homem justo que foi injustamente perseguido e condenado. Aqueles que, como Jesus, nas horas de provação causadas pelas injustiças dos homens, rezam “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?” (Mt 27,46) não deixaram de acreditar em Deus, nem estão a ser abandonados por Ele, mas confiam-se ao seu poder, sem tentar algum tido de vingança ou ato de violência.
O jumentinho da humildade é o transporte para a glória. Os que são discípulos de Jesus distinguem-se por esta etiqueta e não outra. Os que contrastam com esta etiqueta da humildade são capazes, como Judas Iscariotes, diante dos poderes mundanos, de perguntar “Quanto quereis dar-me para que eu vo-lo entregue?”. Assim hoje, caríssimos irmãos, continuam a ser vendidas muitas crianças, jovens, pessoas vulneráveis, para sistemas de lucro desmesurado que não tem em conta a dignidade da pessoa humana, mas apenas a glória mundana.
A entrada de Jesus em Jerusalém é celebrada no início da Primavera, que nos ajuda a recordar o júbilo que aqueles homens, mulheres e crianças, cantavam, dançando e cobrindo o chão de mantas e ramos perfumados. No entanto, aquele animal que mais é capaz de nos dizer como devemos portar diante de Jesus é o jumentinho. Só ele é que se atreve a carregar o peso de Jesus.
Um dia, alguém foi ter com um monge trapista na Bélgica e perguntou-lhe: “Padre, mas o senhor não está cansado de Deus? De rezar, de pensar n’Ele, de dar-Lhe todo o tempo? Quando nos cansamos de Deus, o que devemos fazer? O entrevistador esperava que o monge lhe dissesse: “Mas como é possível cansar-me de Deus, pensas que sou crente há pouco tempo? Em vez disso, o monge olhou o homem e contou-lhe uma homilia de São Bernardo aos seus monges, em que dizia: “no Dia dos Ramos, na procissão que acompanha o Mestre e os discípulos na descida do Monte das Oliveiras, há quem cante, quem aplauda, quem agite e estenda os mantos, quem agite palmas: um jardim ambulante. Há quem esteja mais perto de Jesus e quem esteja mais longe. Mas todos estão felizes. Porém, há um personagem que tem a maior dificuldade de todas, mesmo que seja forte, mesmo que seja o mais próximo, e é o jumentinho, sobre o qual estenderam seus mantos, sobre o qual Jesus subiu. Quem sente todo o peso daquele homem para carregar a ladeira que sobe do ribeiro do Cedron em direção ao templo e se cansa é o burro. O jumentinho é o mais próximo de Jesus e, no entanto, o que mais luta. Assim também quando lutamos, quando sentimos o peso das coisas de Deus, talvez seja porque estamos muito próximos do Senhor, O carregamos com o peso do céu acima de nós, com sua escuridão das nuvens a serem empurradas para lá. O importante é continuar: Jerusalém está próxima”.
A Semana Santa mostra-nos a maior contradição da história: Deus a mostrar o máximo de amor pela humanidade e parte dela a vingar-se do próprio Deus. A Cruz é o abismo onde Deus se torna o amante da humanidade, manifestado nos braços de Jesus abertos num abraço que abarca toda a humanidade, sem aceção de pessoas e sem limites históricos. Há um novo Génesis do homem em Deus: o amado nasce sempre da ferida no coração de quem o ama. O homem nasce do coração dilacerado de seu criador. Revelação definitiva de que Deus e a vida são sempre um dom de si mesmo e nenhum ser humano à face da terra será abandonado. Então, na cruz de Jesus, a glória da vida realmente brilha.