Gn 17, 3-9; Jo 8, 51-59─ Reflexão baseada em VV.AA. Comentáros à Bíblia Litúrgica. Assafarge: Gráfica de Coimbra 2, 2007.

O facto de amanhã se celebrar o Dia Mundial do Backup, lembra-me que, em informática, os que escrevem código para termos ao nossos dispor as belas e funcionais páginas da Internet ou os programas que nos dão tanto jeito no computador, para realizarmos as nossas mais variadas e úteis tarefas quotidianas, acontece uma coisa curiosa e nobre: os construtores de código não só não apagam o que outros escreveram, mas ainda respeitam o nome de quem os escreveu, escondendo com código especial as partes obsoletas (embora mantendo-as para histórico, mas sem ficar ativas) e acrescentando em cascata novas linhas de código que atualizam e aumentam as possibilidades dos programas. De geração em geração de programadores, esta tarefa é árdua e de responsabilidade vital em reconhecer o trabalho de outros e de o levar a uma versão extraordinária, para a qual serviram de degrau. Penso que esta realidade se pode comparar à relação entre os profetas e Jesus Cristo, sendo que este, com as suas palavras e ações, nos deixou o código definitivo como upgrade que somos convidados a incorporar na nossa forma de vida. Caminhando à luz deste divino upgrade…

Sem desconsiderar que a dor física de Jesus tenha sido imensamente grande pelas canseiras a que não se poupou, imagino que a dor maior terá sido a psico-espiritual, tendo em conta o que sabia e a responsabilidade que tinha de revelar a verdade com palavras e obras, em favor da humanidade que, ainda por cima, se recusava a dar passos no caminho que continua a ter de ser feito na história da salvação. Assegurar a defesa e a realização da vontade do Pai: eis o seu alimento. A mentira é a “serpente” que está presente desde a desobediência do primeiro homem, e que vai “mudando de pele”, não obstante a repetida promessa feita aos nossos antepassados e a nós transmitida sempre com novos contornos, mas fiel na essência.

Jesus livrou a mulher surpreendida em adultério do apedrejamento, não a condenando e perdoando-lhe os seus pecados. Quem defenderá, agora, Jesus das pedras que aqueles judeus têm para Lhe arremessar? Enquanto Deus não manifestar a sua glória na Cruz, Jesus ainda se pode ocultar, saindo daquele templo, par anão desperdiçar a sua Luz.

Os judeus defendiam a sua descendência física de Abraão, com os privilégios que daí queriam obter. Mas, as promessas vinculadas a Abraão não dependiam de pertença física, geracional, mas da pertença moral. Portanto, é por um caminho de coerência para com a verdade que é Jesus que se obtém a familiaridade com o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, que é Pai de Jesus, com quem enviou o Espírito Santo. É por um caminho de fé, justiça, de auto-domínio, de abertura a Deus, de aceitação do seu testemunho e, sobretudo, d’Aquele que Ele enviou. Apesar de se dizerem filhos de Abraão, pela sua conduta, os judeus pareciam bastardos.

O Evangelho traz, hoje, mais um tema que escandaliza os judeus: o da morte que não é sofrida por quem guarda a Palavra de Deus. Esta pretensão de Jesus supera os profetas. As palavras de Jesus “Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia…” justifica-se através de uma tradição rabínica segundo a qual se julgava que a Abraão tinha sido dada a graça de ver os dias do Messias, ou seja, a era futura. O erro dos judeus era uma interpretação literal de Jesus, que os levava à incredulidade. Ao falar abertamente da sua pré-existência, Jesus quer apresentar-lhes a sua existência divina e eterna, à semelhança do modo como foi apresentado por João Batista “vem depois de mim, mas existia antes de mim”. Jesus está acima do tempo e para além dele afirmando como Deus: “Eu sou”. Os judeus julgaram como blasfema esta pretensão de Jesus, decidindo aplicar a Lei. Jesus oculta-se porque ainda não é a sua hora. A Luz do mundo retirou-se do templo.

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