A vida eterna que Jesus nos quer dar já começa aqui na terra e prolonga-se no céu passando pelo “sono” da morte
Uma das coisas curiosas que descubro na reflexão dos biblistas é que a habitualmente “ressurreição” de Lázaro ainda não é como a Ressurreição de Jesus. Justifica esta diferença o facto de que Lázaro “ressuscita” para voltar a passar pelo “sono” da morte, ao passo que a Ressurreição de Jesus ultrapassa definitivamente aquele passo obscuro.
Este texto desenvolve-se por um entrelaçado de aspetos que nos ajudam a aproximarmo-nos do mistério da morte e ressurreição. Sugiro alguns (sempre apoiado no pensamento dos estudiosos da Sagrada Escritura):
1) Jesus aproveita-se da existência do mal para manifestar a glória de Deus, como aconteceu com a resposta à situação do cego de nascença (cf. Jo 9,1-41). Trata-se de ativar a salvação e não outro objetivo que confunda ou atrapalhe a vida dos homens.
2) A glória de Deus já se manifesta nesta vida, quando um familiar recupera de uma doença ou se mantém vivo na circunstância de uma doença grave. A companhia de um ente querido doente, a partir de Jesus, não é uma circunstância a lamentar, mas um bem a celebrar ou dom a agradecer enquanto é tempo. Jesus experimentou essa familiaridade com os seus amigos mais próximos, de forma tremendamente humana, assumindo a sua humanidade e a humanidade dos seus na sua oração ao Pai. É o que tentamos fazer num funeral, por palavras muitas vezes desajeitadas quanto aos momentos de sofrimento. E o choro, que Jesus também transformou em divino, não fica de fora, como linguagem que supera as palavras.
3) A fé no “já e ainda não”. O diálogo com Marta e Maria reflete, em púbico, o que costumava ser em privado: o jogo entre a passividade na recetividade da Palavra e a atividade em sabermos acolher bem Jesus reflete-se na forma como nos relacionamos com o facto e a necessidade da imortalidade. Esta, na sua versão definitiva, resolve a dualidade entre passividade e atividade no ato de crer “em espírito e verdade” na Ressurreição que Cristo já transporta em Si na proposta de um modo de vida definitivo que concretiza (já a partir desta terra e desta carne caduca) o Reino de Deus. Os “dois dias” sempre mencionados em alguns destes episódios centrais do drama ou da travessia pascal só ficarão completos ao “terceiro dia” da Páscoa de Cristo.
4) É curioso que os cristãos partilhavam com os fariseus a fé na ressurreição, estes como uma espécie de fé herdada dos seus antepassados, aqueles por um dado adquirido no seguimento de Jesus. Hoje, nas nossas comunidades acontece o mesmo: quando rezamos no Credo “creio na ressurreição da carne” o que estamos a dizer? Seria oportuno perguntarmos: que ressurreição da carne estamos a fazer ou, melhor, a deixar que aconteça? Jesus diz a Marta, que acreditava de forma herdada e não adquirida: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; 26e todo aquele que vive e acredita em Mim nunca morrerá. Acreditas nisto?” Portanto, não é só no “último dia”, como Marta pensava, que seremos ressuscitados. A proposta cristã é a de irmos deixando ser ressuscitados, na medida em que deixarmos que a Palavra de Deus frutifique em nós e a partir de nós as boas obras do Reino. Neste sentido, também as comunidades precisam de ir ressuscitando, não só as pessoas, para que a Páscoa seja uma proposta pública aberta a todos.