O que dá credibilidade ao testemunho cristão num ambiente de desconfiança? Olhar para as boas obras de Jesus e acreditar no Pai. Não olharmos para o que somos e o que fazemos como fim-em-si-mesmo: o objetivo está mais adiante

Ex 32, 7-14; Jo 5, 31-47

Há uma técnica ou manobra de pilotagem de avião que se coloca em prática para manter a nave na rota prevista no caso de haver vento contrário: é o loop que o piloto faz atirando o avião mais para cima, de modo que o vento ao bater-lhe o mantém na rota desejada. Moisés também esteve no cimo do monte a receber os preceitos de Deus que poderiam manter o povo na rota certa ─ a terra prometida, onde correm leite e mel. Porém, o povo, em vez de olhar para o cimo e apontar para lá, deixou-se influenciar por maus ventos e desviou-se. É por isto que me preocupa, por exemplo, que alguém possa conceber a presença do padre como o centro da pastoral…

Vivemos um tempo em que se experimenta uma grande desconfiança em relação ao testemunho dos cristãos, nomeadamente aqueles que estão configurados com Cristo Cabeça e Pastor. Porque será? À primeira vista, pelos casos de incoerência grave entre o que se diz e o que se faz. A acrescentar a isto, existe ainda uma tendência herdada que nos leva a colocar o que somos, o que fazemos, as nossas instituições e movimentos como fins em si próprios, frequentemente apontando para nós e o que fazemos e não para um horizonte mais elevado. A nossa gestão de bens e de recursos humanos, por vezes, assemelha-se mais à cidade terrena do que à cidade celeste, ficando mais a dever àquela do que a esta, como fonte e meta. A tendência que as instituições da sociedade têm para se definirem como fim em si mesmas é semelhante à mesma tendência em algumas instituições religiosas. Então, qual a diferença?

No entanto, há uma grande injustiça que só Deus e os mais atentos é que poderão considerar: o encobrimento de maus atos e a forma como se levam agora a público, também leva a que a sociedade tenda a encobrir as boas ações, sobretudo as que se dizem ou se creem ser inspiradas pela justiça de Deus. Então, o que é determinante para a credibilidade do testemunho é a prática pública de boas ações, de forma humilde e apontando para Aquele que no-las mandou fazer pela Palavra proclamada, sem demoras, nem calculismos e de forma radical. Esta radicalidade também nos pode levar a alguma perseguição, mas esta é preferível do que a punição por maus atos. Jesus já nos tinha prevenido!

Jesus diz que não dá testemunho de Si mesmo, mas é outro que o dá por Ele. Este “outro”, na vista de alguns é João Batista, mas na declaração de Jesus é o próprio Pai a fonte direta do que Ele faz. João Batista apenas serviu de veículo ou instrumento, não é uma “instituição”. Jesus veio consumar as obras que o Pai começou, servido-se de nós, agora, como destinatários e instrumentos. Como diz Jesus, nem as Escrituras são um fim-em-si-mesmo, mas apontam para Cristo. Se um cristão ou um padre, hoje, se apresenta em seu próprio nome pode criar popularidade, mas se não apontar para Cristo o seu ministério não serve para nada. A glória que somos convidados a acolher é a de Deus e não a nossa. E a de Deus passa pela Cruz! O caminho cristão não é o fim, como não foi fim o caminho pelo deserto, em que o povo de dura cerviz se desviou frequentemente por causa da não valorização dos preceitos divinos, como lemos no Êxodo.

Poderíamos pensar que são as boas obras que dão testemunho credível, mas, na verdade, é determinante que a fé esteja nos olhos de quem as contempla, para se dar conta de que a fonte é o Pai do Céu. O desafio foi sempre o que de entre o que a Palavra diz e o que fazemos não haja muita distância, para que pouco ou nada acrescentemos de nós, mas atitudes que possam transmitir a obediência, a castidade e a pobreza. Como temos vindo a aprender com a leitura do Ofício, a posse da terra prometida, com frutos prometidos implica luta sobretudo interior, dentro das comunidades, para que se pareçam mais com a sua fonte e a meta do que o espaço que se habita (cf. Livro dos Números 12, 16 – 13, 1-3a. 17-33).

Na audiência geral de ontem, evocando a Evangelii Nuntiandi de Paulo VI, o Papa Francisco afirma que “não se pode evangelizar sem testemunho” e que “uma pessoa é crível se há harmonia entre aquilo que acredita e aquilo que vive: sobre como crer e como viver. Muitos cristãos só dizem crer, mas vivem de outra coisa, como se não o fossem”.

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