O drama de se colocar Deus contra a humanidade é superado pelo Filho do homem que faz a vontade de Deus. A cruz fecha a porta à resposta violenta do ódio e abre-a à prática do amor compassivo e justo
No IV domingo da quaresma, Jesus afirmou aos discípulos diante do cego de nascença que «É preciso trabalhar, enquanto é dia, nas obras d’Aquele que Me enviou. Vai chegar a noite em que ninguém pode trabalhar. Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo» (Jo 9,4-5). Já no capítulo 5 hoje proclamado, Jesus afirma diante dos judeus que o Pai trabalha sempre e que Ele faz o mesmo que o Pai. Jesus anuncia a ação de trabalhar divina como permanente “kairós”, em contraste com a forma calculista como os judeus olhavam para o serviço do templo.
Para os judeus, há um desencontro entre o relógio e a graça de Deus, assim como a gratuidade da graça e a possibilidade da abertura pessoal à mesma. Graça e tempo não são incompatíveis, desde que este seja disposto ou organizado o mais passiva e gratuitamente possível e com justiça em favor da gratuidade da graça e da necessidade dos seus destinatários perante Deus. O calculismo, assim como o rubricismo (e outros fundamentalismos que obscurecem o verdadeiro fundamento) podem tirar ao “chronos” (tempo) a capacidade de ser veículo do “kairós” (graça). A utilidade do tempo que “gastamos” diante de Deus não se mede por minutos ou horas nem pelo dinheiro que vale o tempo, mas pelos benefícios colaterais provenientes da própria graça gratuita de Deus. Hoje, a sociedade celebra o Dia Mundial da Água, em que os discursos ecológicos acerca da mesma apelam a que ninguém fique para trás. E poderia acontecer o mesmo quanto ao recurso universal que é a graça suficiente de Deus? Haja abertura e solidariedade para que todos possam aceder à mesma de forma eficaz.
Os judeus odiavam Jesus por violar, assim, o sábado, não parando de trabalhar no projeto de salvação que o Pai Lhe incumbiu. Mas ainda há mais um motivo de ódio: chamar a Deus seu Pai, identificando-Se em perfeita sintonia com Ele, no que dizia e fazia. Como o povo diz de alguns padres: estava “a dar cabo da religião”, em vez de exclamarem com júbilo “tal pai, tal filho”.
Em boa verdade, em todas as mudanças de era se vai notando, ainda que seja por breves vislumbres, aquela “hora” que se impõe como verdade vinda do céu, entre os pesos pesados ─ as cruzes ─ que a humanidade se impõe a si própria, por um lado, e a indiferença com que se olham os problemas reais aos quais Deus nos pede que demos resposta. Pois a Cruz sofrida por Jesus está no meio deste drama como única e verdadeira resposta aos problemas reais da humanidade: o de não se usar a religião como violência, mas a de responder com a compaixão às necessidades mais básicas do ser humano, incluindo a de sentido para a vida, e à cura no caminho atribulado por acidentes e pecados. A cruz de Jesus é libertação do mal! A glória de Deus não é o “sábado” observado, mas um mendigo que se levanta, que volta à vida plena, “homem finalmente promovido a homem” (dizia o padre Primo Mazzolari). Religião que não se interessa do bem do homem e que fala só a si mesma ou “uma fé que não se interesse mais do humano, não merece que nos dediquemos a ela” (disse o teólogo Dietrich Bonhoeffer).
Doravante, o mistério pascal de Nosso Senhor Jesus Cristo não deverá mais dar espaço a um tipo de religião que viva às custas do sofrimento das pessoas, mas seja parte do unguento que cura desinteressadamente. É exemplo e modelo o Bom samaritano da humanidade que veio para salvar e não condenar, que veio para libertar os prisioneiros e dar a vista aos cegos e anunciar que em todos os caminhos encostas haverá alimento e pastagens, como garante a profecia de Isaías, aonde os errantes serão levados pela compaixão. TUDO O QUE DESLIGAR O CUMPRIMENTO DE JESUS DESTAS PROMESSAS NÃO É DIGNO DE FÉ. Pode o Senhor esquecer-Se das suas criaturas? Jamais! A vida de Jesus é a comprovação disso!!