Ez 18, 21-28; Mt 5, 20-26; comentário inspirado em VV.AA. Comentáros à Bíblia Litúrgica. Assafarge: Gráfica de Coimbra 2, 2007.

Todo o ser humano é “capax Dei” (capaz de Deus), quer dizer, todo o ser humano é capaz de religião, de se ligar a Deus, uma vez que o Criador deixou em cada criatura sua um “rastilho” que pode ser (re)ativado pela liberdade humana.

Contemplando a atitude de Jesus perante a Lei, neste quadro de antíteses que Mateus nos apresenta, podemos reparar com a sua ajuda quantas vezes os seres humanos se agarraram à materialidade das leis deixando de verificar se está presente o princípio ativo com que elas podem beneficiar as pessoas: o amor de Deus que cria, dignifica dá sentido à vida humana. Deixar que as leis que dividam as pessoas em os que mandam cumprir e os que as devem cumprir é tergiversar as mesmas, reduzindo-as a casuística. Compreender a lei é outra coisa: como expressão da vontade de Deus, deve ser aceite na sua totalidade, muitas vezes ausente em quem pretende a todo o custo, marginalizando as pessoas, fazer prevalecer o rigor meramente externo do cumprimento da lei. O cumprimento da Lei sem coração não faz parte do projeto de Deus. A justiça de Jesus supera a dos escribas e fariseus! Na interpretação que faz da Lei, Jesus não anula o Antigo Testamento, mas leva-o a cumprimento superando falsas interpretações da mesma Lei, com uma nova interpretação. Isto significa que na interpretação dos valores do Evangelho, não podemos ficar com interpretações meramente históricas, o que implica caminhar com a ajuda do Magistério autêntico da Igreja (que evolui na interpretação, sob luz do Espírito de Cristo, para se manter fiel ao seu Fundador).

No Evangelho de hoje, Jesus centra-se no 5º mandamento (primeira antítese). Ele completa-o afirmando que a ira, o encolerizar-se contra alguém ou o insulto devem considerar-se equivalentes a dar-lhe a morte. Consequências práticas: para Jesus não é justo que um assassino vá a tribunal e um insultador cheio de ira não vá. Jesus afirma que aos olhos de Deus estas diferenças não existem. Agora imaginemos quanta ira por razões de defesa de religião!! E quanto autorreferencialidade ostracizou irmãos!? Não admira que, por vezes, neste Corpo de Cristo que é a Igreja, nos dê a sensação de estarmos a sofrer de uma espécie de má circulação.

Outra antítese presente no Evangelho de hoje é a que se refere à realização de ritos no templo, muitas vezes centrado na própria expiação de pecados, sem ter em conta a reconciliação com os irmãos. Bem, já sabemos que Jesus nos devolve ao caminho em direção ao irmão.

Outro caso é o que se refere ao litígio entre dois irmãos, diante do qual a moral de Jesus aconselha a que se reconciliem, chegando a um acordo no caminho, antes mesmo de chegar ao tribunal.

Desta liturgia de hoje concluo que são as atitudes do caminho, na relação com os outros, que determina a verdade da nossa fé celebrada. Não é que devamos adiar a nossa ida às igrejas para celebrar a liturgia ─ precisamos de ir lá buscar o alimento para o caminho ─, mas também não devemos descurar a avaliação da relação com os irmãos na vida diária, adiando a reconciliação com eles ─ precisamos de levar para a Liturgia o “fruto” do trabalho dos relacionamentos humanos. Quanto deste sabor falta ao pão ázimo levado para o altar? E quantas tentativas de reconciliação sacramental sem a matéria da omissão? Quanta Liturgia sem consequências morais (mudança de costumes)? Quanta religião sem uma forma ultramundana de amar? Talvez o ritmo entre a busca de coerência relacional com os irmãos e a credibilidade diante de Deus não esteja bem regulado. De tempos a tempos, a Igreja precisa de reforma para rever, à luz do mistério da Cruz redentora de Jesus, a tensão inevitável entre a Liturgia e a Vida.

O Dia Mundial da Oração, que ocorre em todas as primeiras sextas-feiras de março, celebra-se em mais de 170 países e tem como objetivo principal aproximar as várias raças, culturas e tradições pela oração, melhorando o diálogo, a compreensão, o relacionamento e criando laços de amizade e de trabalho. A ideia subjacente ao dia é que a oração e a ação andem de mãos dadas, tendo ambas uma grande influência no mundo. O Dia Mundial da Oração incentiva a todos os fiéis que acreditam no poder da oração a reafirmarem a sua fé, encontrarem forças na oração e tomarem consciência do que acontece no mundo e a não viverem isoladas.

Abu Dhabi tem um novo espaço de oração multiconfessional que congrega uma igreja, uma sinagoga e uma mesquita. A inauguração do centro foi a realização de um sonho e o primeiro fruto do Documento (sobre) Fraternidade Humana. A inauguração significa continuar a esperar por um futuro melhor entre crentes de diferentes religiões.

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