«Em casa de ferreiro, espeto de pau». Jesus não realiza milagres em vão, implica-nos na nossa recetividade crente
Este ditado popular diz-se quando as coisas não existem no lugar em que seria natural prever-se a sua existência. É o caso do reconhecimento da divindade de Jesus e do seu poder de curar e fazer milagres. Na sua terra, Jesus encontrou falta de fé, de modo que não podia realizar ali qualquer milagre.
Marcos conta-nos a ida de Jesus à sua terra natal por motivos de ordem teológica, mais do que de ordem cronológica. O evangelista quer apresentá-Lo como Filho de Deus que liberta o homem da sua contingência: do pecado, das doenças e da morte. Esta salvação, porém, só se dá no contexto da fé.
Apesar de Jesus estar sempre disponível para ensinar ─ obviamente esta era uma parte em que Ele ocupava grande parte do seu tempo e um pressuposto da sua atividade de cura ─ os seus conterrâneos não costumavam ser assíduos a este ensino, a ver pela falta de reconhecimento do Mestre e dúvida sobre a origem divina dos seus ensinamentos. Apesar do benefício da cura de alguns doentes, não conseguiram ver na presença de Jesus a mensagem da salvação e de libertação da qual era sinal.
Esta ida de Jesus à sua terra deve ter tido um impacto sociológico significativo. O escritor cristão Hegesipo conta que o imperador Domiciano fez ir a Roma alguns descendentes de Judas, parente de Jesus, para obter algumas informações sobre aqueles acontecimentos. Porém, após ter recebido as informações dos parentes, o imperador convenceu-se de que, politicamente, eles não podiam causar-lhe preocupação e deixou-os voltar para a Judeia. Observando bem, os parentes de Jesus estavam mais familiarizados pelo poder político, esperando um “super-homem” que pudesse fazer frente ao imperador, do que com a forma como Jesus Se apresenta.
O autor do segundo Evangelho está atento a sublinhar que a nova comunidade deveria ser exclusivamente convocada pelo Espírito no contexto da fé, sendo inútil procurar nela vínculos dinásticos como parece que acontecia na comunidade de Jerusalém, cujo chefe era Tiago, também parente do Senhor. Em algumas nossas comunidades, por vezes paira esta tendência de fazer corresponder a pertença à comunidade dos Católicos, algumas propriedades ligadas à língua, à etnia, a símbolos da religião, ao ter, etc. Para o filósofo Roberto Esposito, a “communitas” não se define por isso, mas antes por uma dádiva e uma dívida. a origem da palavra é vinculada especialmente ao termo
munus, que lhe dá o significado de uma obrigação de dar, um dever como
um encargo. Estamos em face de uma impropriedade e um nada do sujeito, que à comunidade deve desde sempre. Communitas é o conjunto de pessoas,
afirma o autor, ligadas por estarem em débito; não por um “mais” e sim por
um “menos” que as coloca em dívida.
Hoje aprendemos que, na pedagogia pastoral de Jesus, a fé precede os milagres que excedem as forças da natureza. Nada é mais caro do que aquilo que recebemos de graça. É pena que, por causa de não ser por mérito nosso, não o queiramos receber como gratuito. Basta a fé!
Estamos aqui a celebrar na convicção de que Jesus tem um poder do qual dependerá a libertação das pessoas que caminham ao nosso lado e que nos serão confiadas. O “contágio da comunidade” de que nos fala o autor da Carta aos Hebreus é hoje mais do que necessário, face ao populismo de outros poderes que nem sempre e nem à primeira vista pretendem ser parceiros de uma libertação integral.