Diante de Jesus, cada pessoa deve decidir que Ele “encarne” na sua vida ou Se afaste da sua alienação. Ele liberta dando tudo e não tirando nada
Mc 5, 1-20
Muitas leituras se podem fazer dos relatos bíblicos, entre a leitura história-real e a leitura alegórica-espiritual. Ambas podem ser úteis para o caminho da fé.
Estamos diante de um relato popular, de estilo extravagante, do qual as primeiras comunidades cristãs se serviram para realçar o poder benéfico do “kérigma” de Jesus. Aquele “epilético” não podia ser controlado pelos seus concidadãos e, por isso, vivia no campo, “no meio dos túmulos”. Também por ser pagão, era considerado “impuro” pelos hebreus, era obrigado a vaguear e a procurar refúgio entre “os túmulos”. Para os hebreus, os “porcos” eram animais impuros por excelência. Constatamos o cúmulo da marginalização. Esta comunidade judaico-cristã, para a qual fala Marcos, estava ainda muito vinculada a costumes e caraterísticas dos hebreus, como ter horror aos túmulos e aos porcos. Por outro lado, a comunidade estava profundamente interessada em abrir de par em par as portas do “ghetto” e em fazer que todos participassem nos efeitos da palavra e dos seus efeitos benéficos.
Alegórica ou metaforicamente, este homem possesso que nos relata o Evangelho, andando “de dia e de noite, entre os túmulos e os montes, a gritar e a ferir-se com pedras” faz-nos lembrar os que não querem ser adultos, perdidos entre as vielas de uma fantasiosa “eterna juventude”, presa fácil para os poderes do consumo vicioso.
Jesus, ao curar aquele homem, devolve-o à sua casa e, pelo caminho, ele apregoa a maravilha da sua libertação, deixando todos admirados. Esta facto prova-nos que nem todos precisam de pertencer aos mesmos grupos, para fazerem parte do projeto do Reino. Aquele homem não é obrigado a fazer parte daquele grupo de “hebreus” para se converter e ser anunciador da Palavra. O Evangelho, por mais libertador que seja, não pode ser imposto a ninguém e Jesus continua a fazer maravilhas aonde e por quem Lhe aprouver. A prontidão em seguir e obedecer às palavras de Jesus também pode estar fora das estruturas que identificamos com a fé. E o contrário também pode ser, infelizmente verdade: muitas famílias católicas que não são cristãs, porque constituídas por adultos que já não recebem a transmissão da fé como os adultos de outra era (cf. esta conferência de Armando Matteo, no minuto 43).
Determinante é a atitude que cada pessoa adota diante de Jesus: ou um ser superior ou causa de ruína. De facto, a sua Palavra, por mais libertadora e benéfica que seja, obriga a alterar as rotinas da vida. Por isso, os perdedores materiais pediram-Lhe que se afastasse. O homem oprimido e alienado nem sempre quer ser libertado da sua alienação. Por isso, o Evangelho não pode ser imposto a ninguém, por mais libertador que seja e ainda que isso acarrete levar o homem a viver fragmentado, sem unidade de vida interior.
Este relato prova-nos que Jesus, quando liberta, fá-lo sempre pelo bem da pessoa e não por outro interesse. O seguimento ao seu chamamento já depende da decisão livre de cada um.
Hoje, rezo pelos anunciadores da Palavra de Deus, para que tenham a coragem de dar testemunho das palavras e gestos de Jesus, a propósito e a despropósito, mesmo que o seu testemunho não seja reconhecido.