Uma Igreja ultratecnicizada pode afastar do ideal do Espírito de Cristo. Antes que dividir para reinar é preciso envolver-se para ser salvo
Heb 9, 15. 24-28; Mc 3, 22-30
Temo que a tentativa de despenalização da morte assistida seja uma ação para legalizar mortes cujas causas já vão acontecendo “fora da lei”, a começar pela Lei divina do amor que valoriza e dá a Vida. Os acontecimentos relatados nesta notícia mostram-nos como “medicamentos” não legalmente comercializáveis chegaram às mãos de pessoas em Portugal nos últimos para o suicídio (20 casos autopsiados em 13 anos, 3 casos em 2022). Não admira que parte da política do nosso país não goste do testemunho da Igreja contra a eutanásia.
Os escribas com quem Jesus Se confrontou parecem-me como aqueles querem uma lei para manter pessoas sob o seu jugo pesado, para descartar quem é desprezível ou para defender uma falsa liberdade que conduz ao “coma” social que gera o consumismo vicioso (com muitos tipos de oferta-procura). Por isso, tinham medo do Espírito de Jesus! Acusavam-n’O diante de todas as pessoas para que estas o desprezassem. No fundo, queriam que essas pessoas não tivessem a plenitude do Espírito Santo nas suas almas, para que eles mesmos as pudessem manipular com as leis mundanas, ainda que revestidas de “cosmética” religiosa. Jesus denunciou a sua astúcia, avisando-os de que quem é réu de pecado eterno é quem anula a possibilidade de deixar entrar o Espírito de Deus.
Estes escribas fazem parte daquele “personagem extra, antagonista” de que falam os documentos do caminho sinodal da Igreja:
«que traz à cena a separação diabólica dos outros três [Jesus, a multidão e os apóstolos]. Diante da perspetiva inquietadora da cruz, há discípulos que vão embora e multidões que mudam de humor. A ameaça que divide e, por conseguinte, impede um caminho comum, manifesta-se indiferentemente sob as formas do rigor religioso, da injunção moral, que se revela mais exigente que a de Jesus, e da sedução de uma sabedoria política mundana, que se julga mais eficaz que um discernimento dos espíritos. Para evitar os enganos do “quarto ator”, é necessária uma conversão contínua.»
─ Documento preparatório do Sínodo, n. 21
Nas comunidades da Igreja, hoje, pode passar-se aquilo que se passava no tempo de Jesus: dividir ou confundir para reinar. Quando a proposta do Reino de Deus que Jesus traz consigo é de unidade e de paz para todos os povos. Foi para isso que o Pai lhe deu a plenitude do Espírito Santo: para, no mesmo Espírito, vivermos a diversidade de dons e carismas. Portanto, a Igreja não é chamada a ser homogénea, mas comunhão no serviço.
O Cardeal Newmann costumava comparar a barca da Igreja à de uma navio grande que no fundo tinha as máquinas e no cimo as velas, aconselhando: se queres fazer uma experiência feliz de vida eclesial, não desças às máquinas, porque lá cheira muito mal. Fica ao ar livre, onde o vento sopra e impele a nave. A Igreja não é uma máquina ou mera organização humana: é fruto da vida e experiência pascal de Cristo Morto e Ressuscitado e impelida pelo Espírito do Pentecostes. Quem tem medo deste Espírito que impele vive numa ilha, não se apercebendo do grande oceano de amor que somos chamados a navegar até à “terra prometida” do Céu.
Hoje peço para que não sejam perseguidos todos quantos fazem o Evangelho aparecer na sua nudez, nenhum poder adverso dispare contra eles e contra a igreja que eles servem.