Recomeçar, com os pés bem assentes na terra firme que é Jesus e o coração aberto à esperança com os irmãos
Num 6, 22-27; Gal 4, 4-7; Lc 2, 16-21 ─ na Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus
… A maior lição que Covid-19 nos deixa em herança é a consciência de que todos precisamos uns dos outros, que o nosso maior tesouro, ainda que o mais frágil, é a fraternidade humana, fundada na filiação divina comum, e que ninguém pode salvar-se sozinho. Por conseguinte, é urgente buscar e promover, juntos, os valores universais que traçam o caminho desta fraternidade humana. Aprendemos também que a confiança posta no progresso, na tecnologia e nos efeitos da globalização não só foi excessiva, mas transformou-se numa intoxicação individualista e idólatra, minando a desejada garantia de justiça, concórdia e paz. Com muita frequência, neste nosso mundo que corre a grande velocidade, os problemas generalizados de desequilíbrios, injustiças, pobreza e marginalizações alimentam mal-estares e conflitos, e geram violências e mesmo guerras.
PAPA FRANCISCO, Mensagem para o 56º Dia Mundial da Paz, n. 3b
Neste Dia Mundial da Paz, o Papa Francisco ajuda-nos a perceber o que aprendemos ou poderíamos ter aprendido com a lição da pandemia, ao mesmo tempo em que nos abre os olhos à realidade da guerra, descrita como “uma nova e terrível desgraça (…) comparável em parte à Covid-19 mas pilotado por opções humanas culpáveis”, ceifando “vítimas inocentes e espalha a incerteza, não só para quantos são diretamente afetados por ela, mas de forma generalizada e indiscriminada para todos, mesmo para aqueles que, a milhares de quilómetros de distância, sofrem os seus efeitos colaterais” (n. 4a), provocada por um vírus (o da guerra) que “é mais difícil de derrotar do que aqueles que atingem o organismo humano, porque o primeiro não provem de fora, mas do íntimo do coração humano, corrompido pelo pecado” (n. 4b).
Enfim, o que se nos pede para fazer? Antes de mais nada, deixarmos mudar o coração pela emergência que estivemos a viver, ou seja, permitir que, através deste momento histórico, Deus transforme os nossos critérios habituais de interpretação do mundo e da realidade. Não podemos continuar a pensar apenas em salvaguardar o espaço dos nossos interesses pessoais ou nacionais, mas devemos repensar-nos à luz do bem comum, com um sentido comunitário, como um «nós» aberto à fraternidade universal. Não podemos ter em vista apenas a proteção de nós próprios, mas é hora de nos comprometermos todos em prol da cura da nossa sociedade e do nosso planeta, criando as bases para um mundo mais justo e pacífico, seriamente empenhado na busca dum bem que seja verdadeiramente comum.
PAPA FRANCISCO, Mensagem para o 56º Dia Mundial da Paz, n. 5a
O Santo Padre chama-nos a estar conscientes de que “as variadas crises morais, sociais, políticas e económicas que estamos a viver encontram-se todas interligadas, e os problemas que consideramos como singulares, na realidade um é causa ou consequência do outro. E assim somos chamados a enfrentar, com responsabilidade e compaixão, os desafios do nosso mundo” (n. 5b). Por isso, é preciso termos um olhar o mais unânime possível da realidade, vista numa perspetiva orante à luz da Palavra de Deus, que nos oferece os critérios melhores para discernir e atuar em prol de uma vida terrena que nos faça alcançar a vida eterna.
Queremos uma lista de ações práticas? É o Papa Francisco que no-las sugere:
- garantia da saúde pública para todos;
- promover ações de paz para acabar com os conflitos e as guerras que continuam a gerar vítimas e pobreza;
- cuidar de forma concertada da nossa casa comum e implementar medidas claras e eficazes para fazer face às alterações climáticas;
- combater o vírus das desigualdades e garantir o alimento e um trabalho digno para todos, apoiando quantos não têm sequer um salário mínimo e passam por grandes dificuldades.
Pois, “fere-nos o escândalo dos povos famintos. Precisamos de desenvolver, com políticas adequadas, o acolhimento e a integração, especialmente em favor dos migrantes e daqueles que vivem como descartados nas nossas sociedades. Somente despendendo-nos nestas situações, com um desejo altruísta inspirado no amor infinito e misericordioso de Deus, é que poderemos construir um mundo novo e contribuir para edificar o Reino de Deus, que é reino de amor, justiça e paz” (n. 5b).
Sob a interceção e proteção de Maria Imaculada, Mãe de Jesus e Rainha da Paz, somos, neste novo ano, chamados a “caminhar juntos, valorizando o que a história nos pode ensinar” (n. 5c).
Diante das pessoas e situações, sejam elas quais forem, para não respondermos ao mal com o mal, mas unicamente com o bem que Deus nos dá, somos chamados invocar a bênção de Deus proclamada no Livro dos Números (6, 22-27):
O Senhor te abençoe e te proteja.
O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável.
O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz.
É assim que, como sugere Paulo aos Gálatas, podemos cooperar no resgate dos que estavam sujeitos à Lei para que se tornem filhos adotivos, de forma a recebermos o Espírito de seu Filho que clama “Abá! Pai!”, passando de escravos a herdeiros pela graça de Deus.
O ícone da paz que o Evangelho nos apresenta é o encontro dos pastores com o Menino que está na manjedoura, envolvido pelo amor de Maria e José. Os pastores, que ali aparecem a contar as maravilhas que lhes tinham sido anunciadas acerca d’Aquele Menino, são modelo daquele empreendedorismo pela fraternidade universal e a paz que somos chamados a realizar juntos.
Maria “guardava todos estes acontecimentos no seu coração” porque para Ela (e para toda a mentalidade bíblica) Realidade e Palavra não estão separados, porque esta é criadora e aquela reveladora do Mistério que é preciso guardar e buscar continuamente, com entusiasmo e paciência (a “ciência da paz”).
Por isso, depois desta celebração, regressemos às nossas realidades como os pastores e como Maria e José:
1) Glorificando a Deus por tudo o que vemos e ouvimos acerca de Jesus;
2) Levando o nome de Jesus, sobre o qual se pode unicamente construir uma paz verdadeira e duradoira, a todos os que encontrarmos.