A oração (sonho) de José é modelo humano diante das situações aparentemente ou culturalmente insuperáveis
Is 7, 10-14; Rom 1, 1-7; Mt 1, 18-24 ─ IV Domingo do Advento A
As palavras mais significativas que povoam a Palavra de Deus deste tempo de Advento, ao encontro com Jesus no Natal são: sono/sonho, levantar-se/despertar e partir/fugir/fazer a vontade de Deus. O ponto de partida é sempre uma situação noturna (em que o ser humano experimenta o limite), a inspiração é sempre mensagem divina (Anjo, Evangelho) e a ação é sempre ao encontro de alguém ou para proteger alguém.
Diante dos problemas de hoje, que são os nossos, é preciso a coragem para sonhar. É preciso a destreza para rezar. E não se trata de termos na cabeça fantasias, porque, como dizia Shakespeare, a matéria de que são feitos os sonhos é a esperança. Nos sonhos como o de José, não há pensamentos, mas, como canta a Cinderela, “desejos de felicidade apresentados com realismo e sinceridade”. Por vezes, sonhamos de olhos abertos, onde não costumamos ser muito sinceros. Rezar é sonhar de olhos fechados, sabendo-nos estar diante de Deus nas horas mais difíceis, em que sabemos realmente que a felicidade depende de uma ação divina na nossa vida. O sonho, quer dizer, a oração é o lugar da verdade, em que sabemos que o que prevalece é o amor de Deus e não as nossas limitações e pecados. Ali, se soubermos permanecer, Deus indica-nos uma estrada ou saída certa para ser felizes e para construir a vida de um modo feliz, o modo de Deus-Emanuel (Deus connosco). Porque os sonhos de Deus são desejos de felicidade para todos!
Entre as figuras de destaque no Advento, hoje aparece-nos José, um homem que sonha e ama. Poderíamos dizer que, ama e reza. Não fala, mas age. Tem um coração puro e mãos calosas. A sua história é feita de amor, de crises e de esperas. Uma das crises ou contradições que teve de superar foi o facto de estar esposo de Maria e saber que Ela esperava um filho que não era seu. Ponhamo-nos no lugar de José! Ou de Maria, ou do Menino. O único modo que ele tinha pensado para salvar Maria era abandoná-la em segredo. A Lei dura do seu tempo não poderia ser ultrapassada de outro modo, para que Maria pudesse sair ilesa.
Mas… eis que o Espírito Santo irrompe mais uma vez, através de um Mensageiro (Anjo) que lhe diz no sono (como habitualmente Deus cria algo de novo na vida da humanidade, sem que compreendamos como o faz): «não temas receber Maria como tua esposa, porque o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo».
Entre a Lei e o Amor, José escolhe Maria e o Menino, os seus maiores tesouros, porque, como dizia a escritora, mística e filósofa francesa Simone Weil «meter a lei primeiro que a pessoa é a essência da blasfêmia». E fazendo assim, José torna-se profeta que antecipa as escolhas de Jesus, quando transgride a lei de Moisés para curar as dores do ser humano. Eis o que significa ser justo! «A nossa única regra é o amor, deixai a regra cada vez que essa contrasta com o amor» (Irmã Maria de Campello).
Maria e José são pobres de certezas, mas ricos de amor, porque só o amor abre o caminho para o mistério, lugar do absoluto de onde vêm os anjos. A vida de José, como a vida de todos os profetas e dos cristãos de hoje é sempre um anúncio parcial: o Anjo manda-o partir, mas não lhe diz para onde vai e como tem de fazer. Nele como em nós, teremos de ser interativos, de ser sinodais com quem caminhamos, invocando o Espírito Santo e agindo sem medo.
O sonho que nos é oferecido, também hoje a nós chama-se Evangelho. Encontramo-nos com aquele Arcanjo cada vez que aqui se proclama a Palavra de Deus, cada vez que abro a Bíblia em casa, cada vez que escuto um catequista, o pai, a mãe, o avô ou a avó que me dão conselhos sábios.