A alegria que brota da perceção do que Cristo faz na nossa vida eleva-nos o olhar e ocupa-nos na boa ação
Num 24, 2-7. 15-17a; Mt 21, 23-27
No 3º domingo do Advento, celebrámos a alegria de quem sabe que vale a pena esperar, tricoteando a vida com os sinais que nos são dados por uma múltipla interação profética: o que os antigos anunciavam (Isaías), os habitantes do deserto de hoje (que como João Batista sabem moderar os desejos pessoais) e o próprio Jesus que vai agindo com ações concretas na nossa vida. A presença de Cristo é confirmada pelas suas próprias obras e alegria cristã vem deste encontro percecionado com a sua Pessoa na sua ação em nosso favor (uma vez que Ele não é meramente uma memória ou recordação, mas uma Presença ativa ou dinâmica, pelo Espírito/Amor de Deus). Assim, no mundo, quando o 1º anúncio da Pessoa de Cristo se encontra com a Boa Nova da sua Presença operante, nasce a alegria que, por sua vez, tende a ser comunicada aos outros, porque comunicável (cf. PAPA FRANCISCO, A Alegria do Evangelho, n. 1 e seg.).
Os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo, no tempo de Jesus, não deveriam viver com aquela alegria própria do povo que esperava o Messias e O reconhecia no que Jesus dizia e fazia em seu favor. Fazem-me lembrar os que hoje em dia vivem o Natal comercial sem Advento, sem esperança verdadeira, sem alegria verdadeira. Viviam frenéticos, sem aquela simplicidade de coração que permite vislumbrar a centelha de luz que está entre a profecia e a presença de Cristo em cada coração. Olhariam mais para o exterior do que para o interior. Não admira que o seu “direito” fosse “torto” e se não fosse Deus a escrever o verdadeiro direito por entre essas linhas tortas com a autoridade surpreendente que depôs na pessoa de Jesus, a salvação não tinha chegado até nós.
Para se reconhecer a autoridade de Jesus requer-se, para além da alegre espera, uma mística de pessoas acordadas, com olhos abertos e de um olhar penetrante como o de Balaão, filho de Beor. A mística cristã não pode ser uma experiência de self-service que leve à indiferença e desleal competitividade com outros, mas define-se por uma experiência de manifestação da revelação de Deus que que provoca a abertura do olhar sobre o que Ele já está a realizar. O cair em êxtase e a abertura dos olhos de Balaão fazem-nos lembrar o cair em si e a iluminação de do perseguidor Saulo que é transformado em Apóstolo Paulo (cf. Act 9).
Os tempos fortes da Liturgia, na Igreja e a partir dela, são/podem ser oportunidades cíclicas para uma atividade de certificação do primeiro anúncio dentro e de o levar para fora em palavras e ações concretas. Ou seja: reconhecer no mundo os “rebentos” ali colocados por Deus que ama a humanidade primeiro, protegendo-os de tudo o que os possa prejudicar no seu crescimento. Complementarmente, temporadas também reservadas à realização da Boa Nova, com o desenvolvimento dos valores cristãos em atitudes práticas na sociedade, implementando decisões iluminadas pela Palavra e alimentadas pela Eucaristia, manifestando-se assim uma verdadeira conversão não intimista, mas comunitária e social, através de “enxertos” possibilitados pela misericórdia de Deus. Viver os tempos fortes do Ano Litúrgico com meras experiências de fé intimistas e meros enfeites tradicionais não mostra sempre a revelação de Deus, nem responde sempre aos “gatilhos” da Sua ação escondida a olhares fechados sobre a realidade. As comunidades cristãs já são sinais importantes de Deus quando celebram a fé dentro, mas são chamadas, também, a dar espaço à realização do bem fora (pelo menos não prejudicar o bem que Deus quer fazer e sendo instrumentos desse bem maior).
O Advento é tempo de contemplar as causas impossíveis. Se assim não fosse, Maria não teria tido a possibilidade de questionar “como será isso, se não conheço homem?”. As alavancas da transformação da história humana requerem a vontade humana, mas não descartam a força que só Deus pode dar. Assim, hoje, em temas como a interrupção da gravidez (aborto), a morte medicamente assistida (eutanásia), a fraternidade universal, a ecologia integral, etc. requerem novas e ousadas formas de atuação, não bastando palavras, ainda que racional e razoavelmente crentes. Precisam-se testemunhos vivos de que o transe doloroso do sofrimento atroz e demorado que antecede a morte natural pode manifestar-se como uma espera serena da vinda do Senhor, já presente ao mesmo tempo em ações paliativas de amor. (Temo que o não se querer ─ onde eu também me incluo ─ o debate sobre um referendo acerca da eutanásia não se deva só por uma questão da defesa do princípio inconstitucional da inviolabilidade da vida humana, mas também assente no medo de vir a saber que a maioria dos portugueses ─ cada vez menos testemunhantes de uma fé prática ─ viessem a ser favoráveis à despenalização da morte assistida). Não basta exercer o sentimentalismo, seja ele de que tipo for, incluindo espiritual; precisa-se assistir as pessoas em estado limite de sofrimento em vida, quando esta é emocionalmente atacada de forma extrema, partindo da situação concreta e não meramente de uma lei geral. Não basta não morrer de tal forma; é preciso viver de certa forma, incluindo espírito e corpo, para se viver eternamente.
A afirmação de que a defesa da vida não deve ser referendável não pode não ser acompanhada de testemunhos concretos de compaixão no sofrimento.