Jesus é “refrigério” no cansaço, no caminho entre o trabalho e a oração
Is 40, 25-31; Mt 11, 28-30 ─ Memória de Santo Ambrósio
Não compreendi e não aceito que Jesus possa visto por alguém como ameaça a qualquer tipo de desenvolvimento humano saudável e verdadeiro. Será porque o que disse/diz e fez/faz não entra na lógica do lucro a todo o preço, que nomeadamente levam ao burnout a que muitos sucumbem por causa do desgaste excessivo a que são obrigados, muitas vezes sem uma remuneração justa (material ou até espiritual).
Lemos numa das cartas de Santo Ambrósio:
Recebeste o ofício sacerdotal e, sentado à popa da Igreja, governas a barca contra a fúria das ondas. Segura bem o timão da fé, para que não te inquietem as violentas tempestades deste mundo. O mar é, sem dúvida, grande e espaçoso, mas não temas: Ele a fundou sobre os mares e a consolidou sobre as águas. Por isso, a Igreja do Senhor, edificada sobre a pedra apostólica, mantém-se segura entre os escolhos do mundo e, apoiada em tão sólido fundamento, permanece firme contra as investidas do mar em tempestade. Vê-se envolvida pelas ondas, mas não abalada; e embora muitas vezes os elementos deste mundo a sacudam com grande fragor, ela oferece aos navegantes cansados um porto seguro de salvação.
(Epist. 2, 1-2.4-5.7: PL 16 [ed. 1845], 847-881) (Sec. IV)
É na comunidade da Igreja que Ambrósio sentiu e nos convida a sentir aquela proteção que Jesus lhe prometeu e que lhe permite cumprir a sua missão, não obstante as ondas impetuosas.
O Padre Vasco Pinto de Magalhães (s.j.) faz um breve mas eloquente elogio ao descanso, com o título “Só Avança Quem Descansa“, onde afirma, em síntese, que não vivemos para descansar, mas descansamos para viver. Obviamente (ou não), estamos a falar do descanso que dignifica a vida, tanto quanto o trabalho, a quem o articulista do Diário do Minho Narciso Mendes confere “cidadania”, quando visto com aquele fulgor de quem não procrastina por causa exaustão ou da depressão, por causa dos papéis que hoje se exercem diante de tamanhas exigências e expetativas. A “gritante falta de dedicação e atenção ao serviço” é vista não só por falta de quem aufere de pouco salário, como também ganha acima da média. Porque será?
Andaremos a descansar no Senhor Jesus, que nos convida a refrescar a alma n’Ele? Ou mergulhados em padrões rotineiros que cansam as almas e, consequentemente, os corpos. Há descansos que são autênticos “gritos de guerreiros” e há ativismos que são desmentíveis “choros de apatia”. François-Xavier Bustillo, na sua recente obra “A vocação do padre perante as crises ─ A fidelidade criativa”, para além do burnout (excesso de trabalho), refere o bore out (o tédio no trabalho) e o brown out (quando o trabalho não tem sentido). O mal-estar existencial acontece, muitas vezes, quando os sonhos que, num tempo, nos motivaram a seguir em frente na dedicação a um trabalho com sentido podem desaparecer com as crises, acontecendo como que uma “hemorragia de sentido” (podemos ler assim também o texto onde se refere a hemorroísa, em Mc 5, 25-34), diagnosticada a partir dos sofrimentos ligados à fadiga interior que gera passividade, o pensamento indolente, a mediocridade, etc. (cf. obra citada, p. 37).
O que Jesus nos oferece no Evangelho de hoje é um redirecionamento de sentido: vinde a mim. N’Ele, poderemos redescobrir o trabalho e os esforços que são precisos para o desenvolver a partir de um novo horizonte, que inclui a mansidão e humildade como instrumentos quer de trabalho, quer de descanso. Daquele para este, penso que a oração pode fazer, também, sentido. Já pensámos ou já o fizemos? ─ Rezar enquanto vamos de casa para o trabalho e do trabalho para casa. A oração por Cristo, com Cristo e em Cristo (não só na Eucaristia, mas também) parece ser o tal “refrigério”, desde que ela não seja uma imposição escrupulosa e mágica de repetição de palavras ou de ritos que não ajudarão nem sequer como paliativo do cansaço. Para uma saudável atividade no trabalho, requer-se uma humilde passividade na oração (em Espiritualidade, a “passividade” traduz-se como a capacidade de silêncio humano diante da eloquência divina; ou a não resistência humana à partilha da graça gratuita de Deus).
O Profeta incentiva-nos a erguer os olhos para Deus, que não se cansa, e que dá força ao que anda exausto e vigor ao que anda enfraquecido. Esperemos no Senhor, em oração passiva e ocupação ativa, as duas asas dos que caminham e correm sem se fatigarem.