A quem se perdeu, levemos a Palavra amiga com gestos que curem feridas
A Palavra de hoje “bebe” da pastorícia o hábito corajoso dos pastores que deixam a maior parte das ovelhas a pastar no monte para ir à procura daquela que se perdeu do trilho que leva ao redil. É uma bela e eloquente imagem que Jesus utiliza para falar da atitude do Pai em relação aos que se perdem nas errâncias da vida terrena.
No n.º 144 da Exortação Apostólica Alegrai-vos e exultai, o Papa Francisco lembra-nos que “Jesus convidava os seus discípulos a prestarem atenção aos detalhes” e um deles é “o pequeno detalhe duma ovelha que faltava” (como o vinho, as moedas da viúva, o azeite para as lâmpadas, os pães para a bênção multiplicadora, a fogueira acesa e o peixe na grelha). Se os detalhes fizeram parte do caminho de Jesus, o Papa também os propõe como caraterísticas da santidade no mundo atual. Por isso, continua:
A comunidade, que guarda os pequenos detalhes do amor e na qual os membros cuidam uns dos outros e formam um espaço aberto e evangelizador, é lugar da presença do Ressuscitado que a vai santificando segundo o projeto do Pai. Sucede às vezes, no meio destes pequenos detalhes, que o Senhor, por um dom do seu amor, nos presenteie com consoladoras experiências de Deus: «uma noite de inverno, cumpria, como de costume, o pequeno ofício. (…) De repente, ouvi ao longe o som harmonioso de um instrumento musical. Então imaginei um salão bem iluminado, todo resplandecente de dourados, de donzelas elegantemente vestidas, dirigindo-se mutuamente cumprimentos e cortesias mundanas. A seguir o meu olhar pousou na pobre doente que amparava; em vez de uma melodia, ouvia, de vez em quando, os seus gemidos queixosos (…). Não consigo exprimir o que se passou na minha alma; o que sei é que o Senhor a iluminou com os reflexos da verdade, que ultrapassavam de tal maneira o brilho tenebroso das festas da terra, que não podia acreditar na minha felicidade».
Contra a tendência para o individualismo consumista que acaba por nos isolar na busca do bem-estar à margem dos outros, o nosso caminho de santificação não pode deixar de nos identificar com aquele desejo de Jesus: «que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti» (Jo 17, 21).
Números 145-146
Ir à procura de quem se perdeu das comunidades cristãs de hoje, por causa de muitos fatores agravados pela pandemia Covid-19 e outros, nesta era das igrejas vazias, precisamos de relativizar as “poesias límbicas” (só estas, pois alguma poesia requer-se) para dar espaço à convivência na rua, estabelecimentos e estradas. Ali, onde as palavras, muitas vezes condenatórias, têm de dar lugar a gestos de aproximação e integração. Antes de mais, na comum dignidade humana, para, depois, se for o caso, se dar espaço à comum partilha da fé (em primeiro ou segundo… ou terceiro anúncio).