Para cuidar da saúde, não basta ter um medicamento, é preciso atuá-lo com um procedimento
Por mais que nos custe e nos doa, o Evangelho de hoje justifica a postura do Papa Francisco em relação à forma de lidar com os abusos sexuais dentro da Igreja, que apesar de “nem todos terem a coragem” de assumir que há escândalos, declara o objetivo de a Igreja precisar de “esclarecer tudo”.
Em primeiro lugar, Jesus constata: «É inevitável que haja escândalos…». E avisa: «…ai daquele que os provoca. Melhor seria…». Como é óbvio, este problema existe na sociedade e é antigo, como, infelizmente, não vai deixar facilmente de existir para mal dos mais pequeninos e vulneráveis, para quem Jesus reprova que se sejam sujeitos a ocasiões de pecado, com rasteiras que danificam as suas vidas. A atenção prioritária, hoje, deve recair sobre as vítimas e à reparação dos danos que lhes são causados; e isto inclui a correção do vitimador. Onde houver a necessidade urgente de cuidar de uma vítima, é concomitante a grave urgência em corrigir o perpetrador do crime.
Em segundo lugar, o Senhor ajuda-nos a refletir que há dois tipos de procedimento para a correção daqueles que vitimam, em alternativa à “mó do moinho”: por um lado, a repreensão pública; por outro, o perdão privado. Se a repreensão pública não acontece, favorece-se o risco da legalização da quebra do sigilo sacramental, como está a acontecer em alguns países. A repreensão deve estar para o cometimento de uma ofensa como o perdão deve estar para o arrependimento.
Em terceiro lugar, o Mestre responde ao pedido de aumento de fé dos Apóstolos com uma provocação: é apostolicamente mais eficaz ter “fé boa” do que “muita fé”. A “muita fé” sabe a religião desorganizada no vale tudo; e “fé boa” tem que ver com o reconhecimento de Cristo e do aperfeiçoamento da Lei de Deus na conduta dos homens. Dito de outro modo: é preciso mais confiança em Deus do que mais força humana. De que vale ter muitas garrafas vazias sem conteúdo? Elas são necessárias para que o bom vinho possa guardar-se e distribuir-se, mas ninguém pode partilhar o que não tem dentro…! Ter “boa fé” é acreditar na providência de Deus; por menor que seja, uma fé assim pode alcançar resultados surpreendentes.
Na Carta a Tito, São Paulo deixa-nos a pedagogia que nos pode ajudar a ser transparentes, misericordiosos e esclarecidos, na reciprocidade: ser irrepreensível connosco próprios e exortativos/refutadores com os outros acerca da sã doutrina. Com a oração e a fraternidade, o Santo Padre está a tentar essa pedagogia com os não-cristãos (cf. visita ao Barém), além fronteiras. Como não será possível também usar esta pedagogia dentro das fronteiras visíveis da Igreja?! E não basta ter força de vontade… é preciso ter a “visão” da fé!