Onde há uma vocação específica há um dom recebido de Deus. Vocação cristã é um heterónimo da Ressurreição
Mac 7, 1-2. 9-14; 2 Tes 2, 16 – 3, 5; Lc 20, 27-38 ─ No XXXII Domingo do Tempo Comum C e Semana dos Seminários
Onde há uma vocação específica há um dom recebido de Deus. Ontem, como hoje e também amanhã, escutar e responder a um chamamento como o de ser padre, consagrado ou consagrada e, mesmo, à vida matrimonial é sempre um ato de coragem e fé no Deus de eterno amor que quer salvar a humanidade. Por isso, não ter vergonha de testemunhar Cristo, antes de mais é algo que nos precede pela educação dos nossos pais e restantes educadores, como os catequistas, os animadores e os professores. Também foi assim na minha história vocacional: por ver os meus pais e educadores a não se retraírem de servir Cristo na Igreja e no mundo, levou a que também eu não me retraísse. Eu que era originalmente tímido. Por isso, é muito importante que os educadores semeiem diante dos olhos dos mais novos gestos ou sinais de entrega a Cristo em favor dos outros. O exemplo no cristão vale mais do que mil palavras, porque fundamentado unicamente na Palavra de Deus.
Viver a vocação batismal assente numa opção fundamental de vida como o sacerdócio, a vida consagrada, o matrimónio ou qualquer outra forma de consagração no serviço ou na missão da Igreja é, na prática, uma profissão de fé na ressurreição. Não de forma autorreferencial ou autossuficiente ─ como os saduceus ─ mas tendo por fonte e referência a vida do Reino que está condensada em Jesus.
Os saduceus fizeram uma pergunta a Jesus assente naquilo que eles acreditavam ou não ser a verdade. Jesus responde-lhes consoante o lugar de onde vem e o que Ele representa. Aqueles falavam segundo pensamentos e relacionamentos efémeros; Jesus fala com verdade daquilo que nos relacionamentos é perene. Aqueles apoiam-se em tradições, Jesus está a funda aquela que será a Traditio Ecclesia, uma das formas de revelação dinâmica de Deus na Igreja, conjuntamente à Sagrada Escritura (cf. Enciclopédia Católica Popular).
Sem o «nós» eclesial, a transmissão da fé não se pode desenvolver para chegar a toda a humanidade. Por isso, a existência crente de cada um de nós e a comunhão de vários ministérios e carismas são instrumentos de evangelização da fé da ressurreição. Na verdade, somos o Corpo de que Cristo é a Cabeça. E neste Corpo eclesial nenhum membro pode dizer a outro que não precisa de si e ninguém se pode dispensar como inútil.
A propagação da Palavra de Deus por meio do anúncio da mesma e a sua glorificação através de gestos virtuosos ─ como recomenda Paulo aos Tessalonissenses ─ é uma missão de todos os batizados, mas em especial daqueles homens e mulheres que se consagram de forma especial ao estudo aprofundado da mesma e oferecem as suas vidas para ensinar e orientar o povo de Deus à maneira de Jesus Cristo Profeta, Sacerdote e Servo.
Na verdade, quando na vida terrena alguém é obrigado a fazer algo que não dignifique a vida humana ─ como na história relatada no Livro dos Macabeus ─ é preciso alguém que “tome a palavra em nome de todos” com ousadia e sem medo. Os presbíteros e os consagrados que se oferecem a Deus para uma missão de responsabilidade, em representação das comunidades (e eu creio que o Matrimónio também possibilita esse testemunho), são comparáveis àqueles “membros” que os irmãos Macabeus sujeitam ao martírio, lúcidos da promessa de Deus.
Para se ser capaz de proclamar a Palavra da Salvação é preciso habitá-la e deixar-se habitar por ela em permanência, porque dela vem não só a verdade que salva, mas também a força que cuida nos momentos de tribulação e de perseguição. A Palavra de Deus prepara para morrer, no sentido de que oferece a Vida que está para além da morte física passageira. Mas também é o perfume que nos faz vislumbrar já nesta terra, essa vida misteriosa do Reino.
As vocações batismais de especial consagração não são só formas de morrer em paz ─ com a consciência livre e tranquila de se e fazer o que dá a verdadeira felicidade na terra ─ mas também são formas de ir ressuscitando na e para a vida eterna que nos apresentada na encarnação de Jesus Cristo. No Evangelho, Jesus dá uma resposta contrabalançando entre “filhos deste mundo” e “filhos de Deus”. Os que se inspiram neste mundo, relacionam-se de uma forma interesseira que pode dificultar ou, mesmo, impossibilitar a ressurreição; os que se inspiram no além, vivem de forma a não morrerem jamais do ponto de vista espiritual e a herdar a vida eterna.
Assim, o Matrimónio (que não é só “casamento”!) e qualquer forma de especial consagração, como o ser presbítero e/ou religioso/a missionários, são modos de os batizados não se envergonharem de dar testemunho de Cristo e do caminho novo que Ele veio inaugurar com a sua encarnação, vida e morte/ressurreição. Aqueles modos de vida são ramificações do “enxerto” que é o Batismo, fortalecidas pela Confirmação do Espírito Santo de Deus.