2 Reis 5, 14-17; 2 Tim 2, 8-13; Lc 17, 11-19 / DOMINGO XXVIII DO TEMPO COMUM C

Vou contar uma história agora mesmo inventada por mim, lembrando-me que há poucos dias celebrámos o Dia Mundial do Professor:
Um dia, no regresso da cidade onde estudava, um jovem estava entusiasmado pelo facto de os estudos lhe estarem a correr tão bem, consciente das boas bases humanas e intelectuais que tinha recebido na sua infância e adolescência. Ao contar a razão de ser desta alegria aos seus pais, ouve deles a notícia de que a professora de Escola Primária estava doente. Com o coração nas mãos, lembrou-se de encontrar um tempinho naquele fim-de-semana curto de descanso e foi visitar a professora que tão bem o tinha preparado para este futuro-presente tão risonho. A professora, ao vê-lo vir agradecer tudo o que tinha feito por ele, não só a nível dos conhecimentos transmitidos, mas também pelos valores que o prepararam para a vida, recordando-se de que todos os seus esforço não só em relação àquele, mas a todos os seus alunos, até parece que redobrou as forças e o ânimo que lhe estavam a faltar.
Moral da história: quando a vida nos está a correr bem, ou mesmo quando não está tanto, ser agradecidos e não vitimistas, ajuda a reconhecer a verdade da herança que cada um recebeu (maior do que as meras circunstâncias, porque todos estamos no coração de Deus) e a semear a esperança (através de um clima familiar e comunitário em que todos se podem sentir ajudados, sem cálculos e competitividade interesseira). Se cada um quiser avançar bem na vida, o melhor é pôr-se a fazer o relatório de quem dedicou, sem esperar nada em troca, trabalho, tempo, ouvido, ombro, coração, oração, etc. Só avança quem agradece!

É curioso que, quer na parábola do Evangelho da passada segunda-feira, quer no episódio do Evangelho de hoje, seja um samaritano a ser apontado como modelo de uma fé operante e agradecida. Dá a entender que os samaritanos, apesar de mal vistos pelos judeus, tanto eram sensíveis para se encher de compaixão e de cuidar, como de se deixar ajudar e de ser gratos. Enquanto que o samaritano de segunda-feira nos ensina os verbos da misericórdia ─ “ver”, “compadecer-se”, “aproximar-se” e “cuidar” ─, com o samaritano de hoje aprendemos os verbos da gratidão ─ “voltar” (ao encontro), “glorificar” (a Deus em alta voz), “prostrar-se” (aos pés de Jesus) e “levantar-se” (para seguir o próprio caminho).

Em 10, só 1 leproso é que regressa para agradecer. Será assim nas estatísticas de hoje? Sugeria que, nesta assembleia, cada um de nós pensasse o motivo ou os motivos porque voltamos hoje a Jesus: estamos aqui como é costume virmos ─ ao encontro “mostrar-nos” ao sacerdote ─ ou vimos para agradecer a Jesus? Se calhar esta estatística reflete a relação desproporcional entre os cristãos que se afastaram da comunidade dos batizados e os que a habitam regularmente. Provavelmente, anda por aí muita gente curada que ainda não deu glória a Deus! Nas palavras de Jesus, mostrar-se ao sacerdote (do templo) era a lei da antiga aliança; regressar a Jesus significa habitar a nova aliança!!

A liturgia da Palavra deste domingo sugere-nos que levemos os nossos corações ao “ginásio” da intimidade com Jesus, no seu caminho para Jerusalém, que é um caminho de formação (Emaús é um caminho de regressão), para chegarmos a ter um “coração samaritano”. Quem leva o caminho inédito de salvação aberto por Jesus não faz como aqueles 9 leprosos que não regressaram para agradecer-Lhe: gritam para obter cura, mas não dão glória a Deus em alta voz, após a cura, por falta da capacidade de reconhecerem a origem de todas as graças.

No início de cada Eucaristia, quando estamos a recitar ou a cantar o “Kýrie, eleison” o que estamos a dizer é o que aqueles leprosos suplicaram a Jesus: “Senhor, faz-nos graça”. No dizer de D. António Couto, Bispo de Lamego, «Fazer Graça» é um dizer muito bíblico, que o pensamento ocidental desconhece, com que nós pedimos a Deus que, como uma mãe cheia de ternura, nos embale nos seus braços e olhe para nós com o seu olhar carregado de bondade maternal. E um olhar seja para quem for, sem determinismos ou exclusões de que tipo for.

Como aqueles leprosos, também hoje há muitos excluídos ou “excomungados” por medo de contágio, obrigados a andar longe. É curioso que, enquanto os judeus e os samaritanos que são saudáveis não se dão, naquele grupo de 10 leprosos havia judeus e samaritanos que se davam bem. É costume ser assim na dor: as pessoas unem-se no mesmo grito, sem olhar as diferenças, mas aquilo que as une, mesmo que seja uma aflição.

A grande lição é a de que enquanto, porventura, os 9 judeus curados não sentem necessidade de agradecer a Deus, por não reconhecerem que a cura vem d’Ele, aquele samaritano curado sente-se pobre e devedor a Deus pela graça concedida. Aqueles pensavam, certamente, que era Deus que estava em dívida para com eles (e que Jesus não fez mais do que devia); enquanto que o samaritano humildemente se sente devedor a Deus pela sua bondade generosa (Cf. D. António Couto).

Na primeira leitura, aprendemos que a cura implica procedimentos visíveis que realizam mudanças invisíveis, tanto na medicina do corpo, quanto na medicina da alma, como acontece nos sacramentos. A única “paga” que se pode aceitar pela execução dos procedimentos que curam a alma deve reverter para a manutenção do “altar”, quer dizer, para o ambiente e as instituições que se organizam para garantir que esses procedimentos continuem a saber-se provenientes da graça de Deus (e não dos homens, nem meramente para proveito económicos deles).

O Evangelho ensina-nos, hoje, que no caminho pessoal e comunitário o único motivo válido que justifica voltar atrás será para agradecer o que Jesus opera em nossas vidas. Por isso é que, depois de uma semana de vida quotidiana, aqui voltamos ao encontro com o Senhor na assembleia litúrgica!

A segunda leitura ajuda-nos a olhar para a realidade de hoje, em que há quem queira que a Palavra de Deus seja remetida para domínio privado, acorrentando-a. Porém, como afirma Paulo desde a prisão, “a Palavra de Deus não está encadeada”. É mesmo assim: não é possível prender a Palavra ─ que é Jesus ressuscitado e que o Espírito Santo leva aonde quer e semeia em que corações quiser ─ ainda que algumas ideologias e na sociedade de hoje nos queiram limitar os nossos passos. Hoje, como sempre, é preciso dizer: “Benditos os pés daqueles que são os mensageiros da paz!”

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