Profissão de fé: não basta conhecer e dizer as verdades da fé, é preciso viver segundo as mesmas, praticando-as!
Em nome de Deus, em nome do sentido de humanidade que habita em cada coração, renovo o meu apelo para que se chegue, de imediato, a um cessar-fogo, que se calem as armas e se procuram condições para vias de negociação, capazes de levar a soluções, não impostas pela força, mas acordadas, justas, estáveis
PAPA FRANCISCO, Angelus de 02 de outubro de 2022. Fonte: Agência Ecclesia
Na oração do Angelus deste último domingo, o Papa Francisco fez uma intervenção inédita, comparável à postura de Jesus que incarna a atitude do samaritano da parábola do Evangelho, assumindo forte preocupação pela «espiral de violência e de morte» e as consequências dos recentes referendos à volta da Guerra entre a Rússia e a Ucrânia. E o que tem de inédito a postura do Santo Padre?
O Papa dirigiu-se neste passado domingo 03 de outubro ao presidente da Rússia, desde o Vaticano, pedindo que cesse a agressão contra a Ucrânia, num cenário agravado pelo risco de “escalada” nuclear. E fê-lo, excecionalmente, antes da oração do Angelus, em vez de dar prioridade à liturgia dominical, como é tradição, com mensagens diretamente dirigidas a Kiev e Moscovo. Ou seja, o Papa quebra o protocolo e altera a ordem dos fatores na oração, dando prioridade à petição para que cesse a agressão contra a Ucrânia, diante do “absurdo” que é a humanidade estar a confrontar-se, de novo, com a “ameaça atómica”. Diz o Papa: “Que mais é preciso acontecer, quanto sangue tem de correr, ainda, para que percebamos que a guerra nunca é uma solução, mas apenas uma destruição?”. Reflito eu: os batizados não podem ficar de fora a ver meramente a via-sacra passar, ou ver as notícias e passarmos adiante para as nossas supostas obrigações.
É curioso que numas das hipótese litúrgicas possíveis da Bênção dos Santos Óleos na Missa Crismal, antes do Tríduo Pascal, a bênção do Óleo dos Enfermos apareça sugerida antes da Doxologia Final da Oração Eucarística. É como que a procissão é mandada parar para que se possa tomar em consideração os mais aflitos ou caídos da sociedade, que são os doentes ou vitimados fisicamente seja por que desgraça for.
Habitualmente, falamos de católicos praticantes em relação aos que se identificam com o código a que chamamos ‘Credo’, onde estão contidas todas as verdades da fé, e obrigatoriamente recitado aos domingos e solenidades, na assembleia litúrgica. Mas… bastará isto para se ser um verdadeiro católico? E para ser cristão, o que deverá ser? É o Evangelho de hoje que no-lo diz.
Dizem os italianos: Tra il dire e il fare, c’è di mezzo il mare. Entre o dizer e o fazer tem o mar (imenso) de permeio. Ou seja: vai uma grande distância entre o que dizemos e o que fazemos; não mais abundantes as nossas “boas” palavras ou intenções do que as nossas boas ações. Por vezes, vemos no cristianismo o que constatámos durante a pandemia: umas bolhas de confinamento feitas de pessoas não infetadas. Por vezes, algumas também não pareceram afetadas pelos problemas dos outros, dos que vivem fora de uma bolha cheia de possibilidades, mas indiferente a quem quase perpetuamente sofre aqui na terra a falta de assistência.
(1) Ver, (2) compadecer-se, (3) aproximar-se e (4) cuidar, são os quatro passos ou verbos a designar ações concretas ─ as primeiras no foro interno (luta interior) e as outras no comportamento externo (luta exterior) ─ que o bom samaritano nos ensina para sairmos de nós mesmos e das nossas “bolhas” espiritualmente assépticas e irmos ao encontro de quem está caído, independentemente de quem seja.
A afirmação de Jesus, ontem (XXVII Domingo Comum do Ano C), de que nos chamemos de servos inúteis quando só fizermos o que devíamos ter feito (na verdade não é Ele que nos declara sermos servos inúteis, mas que o seremos se só cumprirmos deveres de uma lei que exclui os pobres) não se refere com certeza ao samaritano citado hoje, mas ao sacerdote e ao levita.
Como outrora a Jesus, também hoje aos cristãos e, concretamente, aos católicos a sociedade está a “experimentar-nos” constantemente, para constatarem se o que fazemos é coerente com o que dizemos. Hoje, pede-se aos teólogos que saibam ler a realidade de uma forma ampla, capazes de aprender a responder aos desafios graves que nos são colocados.
Paulo inspira-nos a concluir que a inércia pode-nos levar a mudar o Evangelho de Cristo, não o que se sabe de cor, mas o que se deve praticar com ações concretas e não genéricas intenções. O anúncio de que o Apóstolo fala é “grávido” de vida. Damos conta de que o que somos chamados a anunciar é de Cristo, quando mexe com a vida e não meramente com as ideias.
Não admira que, à maneira da admiração que Jesus nutriu pelos samaritanos ao ponto de os usar como modelo de compaixão e ação nesta parábola, também o Papa nutra tamanha admiração por tantos não católicos que o ajudam a ver a realidade de uma maneira pacífica e sadia, retribuindo-lhe com a mesma admiração. Nem todo o abandono das assembleias litúrgicas significam um abandono da prática da fé e nem toda a prática da fé exterior significa totalmente uma prática da ética cristã. Como se costuma dizer: no meio é que está a virtude. Eu diria: é no caminho aberto por Jesus e feito com os os irmãos e irmãs que habitam na terra que está o mais alto valor cristão, uma vez que é este meio que nos levará à plenitude prometida.