[Leitura] Ap 7, 2-4. 9-14; 1 Jo 3, 1-3; Mt 5, 1-12a; Mt 11, 25-30; Jo 11, 21-27; Jo 6, 51-58
[Meditação] Medito hoje, conjuntamente, sobre a Santidade de Todos os Santos e sobre a Purificação dos Fiéis Defuntos. Este meu procedimento deve-se ao facto de este dia, retornado feriado, ser oportunidade para esta conjunção entre a igreja e o cemitério, entre a solenidade e a comemoração. Entre uns e outros, Santos e Defuntos, estão os que se confundem no anonimato: não sabemos se habitam a Igreja Triunfante, se a Purgante. O que sabemos é que, aqui na terra, caminhamos na esperança, como errantes peregrinos. O facto de celebrarmos uns e outros, ajuda-nos a a dar conta que a comunhão dos Santos nos une. E se une estes errantes peregrinos, como não deveria unir os que já não caminham na visibilidade, mas caminham na catarse invisível. Com esta afirmação, quero pôr em questão a ideia, que não me parece ter fundamento teológico, de que quem não se converteu em vida já não poderá fazer mais nada no além. Este escrúpulo nega a existência da pessoa, com as suas faculdades ativas, incluindo a liberdade, para além da morte, como se o defunto tivesse os seus “braços e pernas espirituais” atados, levado a um “tribunal sem coração”. Que imagem pobre… Se foi isto que construímos, terá sido em vão a dinâmica da fé. No além não há “limbos” criados por mãos humanas. E o Papa Bento XVI já acabou com o único que havia: aquele onde encerrámos as inocentes crianças não batizadas. Tudo isto permanece um mistério diante do qual não devemos fabricar ideias, seja por excesso ou por defeito. Vamos à meditação, confiando-nos ao Deus dos vivos e dos mortos.
O povo diz que “todos os caminhos vão dar a Roma”. É uma forma de se dizer que há muitos caminhos para lá chegar e o império romano tinha 80 mil quilómetros de estradas para isso. Ora, quem quisesse ir a Roma só tinha de escolher uma via, adequando-se à que mais fosse conveniente à sua localização geográfica. Para lá chegar da Península Ibérica, seria absurdo ter de ao Iraque. E quanto ao convite a ser santos? Que caminhos há para lá chegar? Existem alternativas? Muitas vias parece haver para irmos até Cristo, mas nunca poderemos abdicar d’Ele como o Caminho, a Verdade e a Vida, neste mundo para uma aproximação de entrada na pátria definitiva. Conforme os que nasceram e morreram antes de Ele vir ao mundo, são salvos pela sua Vida, Morte e Ressurreição, assim os que, depois do acontecimento da Ressurreição, partiram deste mundo sem, porventura, O conhecer por completo, acreditamos serem alvo da infinita misericórdia de Deus, na mesma comunhão dos Santos.
Na vida cristã, corremos, por vezes, o risco de pensar escrupulosamente que temos de cumprir toda a Sagrada Escritura, com todas as variantes que ela tem, para chegar à Santidade de Deus. Não, não é a Escritura, mas uma Pessoa a Quem somos convidados a ouvir e a imitar: Jesus Cristo! Ele disse-nos para procurarmos ser perfeitos como o Pai celeste o é. E os Santos ajudaram-nos, com as suas propostas de vida a segui-l’O segundo o estado de vida e as circunstâncias de cada uma e cada um. Esta é a grande novidade da fé cristã: poder vir a ser à semelhança de Deus!! e esta semelhança é uma aproximação de muitas formas. E, para tal, Jesus apontou-nos várias boas formas de esperar em Deus, que são as bem-aventuranças. Ser pobre em espírito, puro de coração, misericordioso, pacífico, etc. etc. — são formas de esperar o bem supremo que nos está prometido. Seguir uma dessas formas de esperar bem entrelaça-se no mesmo e único Caminho que é Cristo. A Santidade é a semelhança de Deus conquistada por uma forma concreta de reagir ao mal, enquanto se vive neste corpo frágil e nas circunstâncias limitadas da vida.
Cada Santo e Santa que hoje veneramos seguiu essa horizonte de Vida através de um estilo de vida concreto. E nem todos foram padres ou freiras! No entanto, é bom para todos que alguns e algumas o sejam!! E se “não é o hábito que faz o monge”, pelo menos cada um deles teve a sua forma de procurar a semelhança de Deus através da imitação de Jesus. A Santidade é o que contemplamos já nos Santos, nossos irmãos, e é também o elemento essencial do ser cristão que se inicia pelo Batismo e se prolonga para além da morte. Portanto, há um além da Santidade que passou pelo Caminho; mas há, ainda, um aquém para ir procurando a semelhança através de muitos caminhos. Vivamos o tempo da esperança na aproximação!
Revisitar a memória dos nossos entes queridos que já partiram significa olhar a própria vida, não só a olhar para eles, na saudade, mas a deixando-nos olhar por eles. A saudade cristã não pode ser vivida como se eles não existissem ou só existissem na nossa memória. É mais do que isso: eles existem na realidade de Deus. Este é um momento, dentro da comunhão dos santos, para olharmos para o significado da nossa existência, que está muito por detrás dos discursos do mundo, como dizia o médico recentemente falecido, o Doutor Lobo Antunes, de quem o Cardeal Patriarca de Lisboa, na homilia do seu funeral, citou dizendo que «as coisas importantes dizem-se com o silêncio». D. Manuel Clemente chama a este silêncio de “purgatório da expressão”. Penso que é por este dinâmica que podemos entrar em comunhão com os nossos entes queridos já fisicamente ausentes, com quem, porém, de mãos dadas na fé do Ressuscitado, caminhamos juntos.
[Oração] Sal 23 (24)
[ContemplAção] Em: twitter.com/padretojo