Bem-aventurados os bem ocupados, porque administrarão bens maiores

[Leitura] Ef 3, 2-12; Lc 12, 39-48

[Meditação] Nas palavras de Jesus que escutámos no Evangelho de hoje, não sabemos bem a que aspeto é dado o primado: se a uma vigilância feita de orações vazias ou se a uma espera ativa, uma vez que a história da Igreja é feita de correntes de sabor ideológico (de raiz humana, portanto) onde, ora se privilegia uma fidelidade a meros preceitos, ora a uma solidariedade vazia de fé. Na sua recente aventura literária intitulada «Quero que tu sejas!», Tomás Halík partilha a convicção de que Deus se aproximará de nós mais na forma de uma pergunta do que uma resposta. Declara que, por as nossas respostas habitualmente serem mesquinhas, Deus não Se fecha nelas. E pergunta: se insistirmos em procurar a fonte do amor para lá do nosso mundo (fora dele), porventura não perderemos a oportunidade de o encontrar onde o ignoramos, visto estar tão próximo, ou seja, dentro de nós? Quem nos garante saber? Este teólogo responde, humildemente, que não sabe, porque está habituado a buscar, em vez de fingir soluções.

Por isso, Jesus, o Filho do homem que também é Deus, responde a Pedro com outra pergunta, não o fechando em respostas que geram inércia, mais do que aventura: «Quem é o administrador fiel e prudente que o senhor estabelecerá à frente da sua casa, para dar devidamente a cada um a sua ração de trigo? Feliz o servo…». Portanto, Jesus restitui a Pedro a capacidade de caminhar, em vez de ficar na ociosidade de um status que não o leva  alado nenhum. Mal ele sabia que o Mestre lhe reservaria, apesar das suas fragilidades, o Primado Apostólico. Se Pedro soubesse tudo, como poderia ter aguentado o poder de tal ministério, diante das suas resistências? No entanto, saber ou não saber não é a questão prioritária (ela aparecerá só no final do discurso, quando se refere às “vergastadas”), mas estar bem ocupado ou não. Para Jesus, é mais importante estar preparado para aquela “hora”. Um exemplo prático: quando formamos um candidato para o sacerdócio, é frequente, às portas da Ordenação, revelarem-se medos e dúvidas sobre a capacidade para se exercer um serviço tão sublime. Esta tensão faz-me responder prontamente: «estás preparado, basta que sejas dócil à graça…». Pois, estar preparado não significa primeiramente saber ou não tudo o que diz respeito à missão, mas ser continuamente um discípulo dócil às moções. Quanto às “vergastadas”, Jesus prepara Pedro para a responsabilidade que Lhe irá entregar, uma vez que é baseada num poder que reside numa maior consciência, a do convite a apascentar na base de um amor misericordioso.

Mas a aventura não fica por aqui: depois de Pedro vem Paulo que também reconhece ter sido destinatário do conhecimento do mistério de Cristo e responsável por transmiti-lo aos irmãos. E fez progredir a missão confiada por Jesus aos Apóstolos na evangelização dos gentios. A experiência de Igreja, em direção ao Reino é mesmo assim: uma estafeta. Ninguém pode dizer que fez tudo, mas que é chamado a desenvolver a mesma missão de Jesus no tempo e espaço em que se vive, para que, como garante Paulo, em cada tempo e lugar da história humana, pela fé em Cristo, todos possamos aproximar-nos de Deus com toda a confiança. Pela participação, assumamos, todos, o primado de uma administração que aprenda a fidelidade e a prudência na partilha do “trigo” de Deus que é cada um de nós, de forma muito especial a partir dos Sacramentos e da Palavra pela qual Deus realiza tudo em todos. Ocupemo-nos pela salvação dos outros sem questiúnculas que, no dizer de Halík, não passam de «piedosas tagarelices» eivadas de um sentimentalismo que disfarça «o vazio de empenho verdadeiro». Regressar à oração de São Francisco pode ajudar ao desapego itinerante que é muito preciso para os cristãos «em saída».

[Oração] de São Francisco de Assis:

Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvida, que eu leve a fé;
Onde houver erro, que eu leve a verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó Mestre, Fazei que eu procure mais
Consolar, que ser consolado;
Compreender, que ser compreendido;
Amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
É perdoando que se é perdoado,
E é morrendo que se vive para a vida eterna.

— São Francisco de Assis

[ContemplAção] Em: twitter.com/padretojo

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