Liberdade e gratidão, procedimentos que curam da “lepra” espiritual

[Leitura] 2 Reis 5, 14-17; 2 Tim 2, 8-13; Lc 17, 11-19

[Meditação] Quantas curas terão passado despercebidas quanto à atribuição do seu verdadeiro Médico? Quantas transformações físico-psíquico-espirituais não terão sido desaproveitadas quando àquelas que deveriam ter sido as suas verdadeiras consequências?  Suspeito com humildade que Jesus terá enviado os dez leprosos a mostrar-se aos sacerdotes, para lhes fazer um verdadeiro diagnóstico sobre a lepra: se esta seria meramente aquela infeção crónico-contagiosa provocada pelo hoje conhecido bacilo de Hansen ou se, também, seriam habitados por aquela inércia espiritual de quem vive meramente sob o jugo da Lei.

Jesus sabia que a cura pela cura não ajudava a encontrar o verdadeiro sentido da vida que estava n’Ele, só percetível por aqueles que têm a coragem de reconhecer a Graça da cura. Os dez leprosos receberam a cura no caminho − o que prova que o poder de Jesus é superior a todos os diagnósticos − mas só um é que percebe a verdadeira cura que reorienta a vida ao encontro do seu verdadeiro significado: a vida em Cristo que se pode experimentar numa perspetiva comunitária da comunhão, uma vez que Jesus restitui aquele que é curado de volta para a comunidade.

Mesmo que uma doença, nalguma circunstância da vida, nos coloque numa espécie de prisão existencial, isolando-nos daquilo que mais gostaríamos de fazer, o Apóstolo Paulo garante-nos com a sua própria experiência que a busca de sentido permitida pela Palavra é imparável. O mesmo descobriu o psiquiatra austríaco Viktor Frankl, fundador da Logoterapia, ao comparar esta mesma busca nos jovens ricos do norte da Europa e nos presos da Flórida. Enquanto estes, mesmo condenados à morte, eram acompanhados a perceber e a inteirar-se do significado da sua vida para além da morte, aqueles jovens, por causa da abundância de bens, deixavam-se suicidar pela falta de sentido da vida. A falta de liberdade diante da Lei não deve impedir ninguém a ser livre pela Boa Nova de Cristo, que não se deixa confundir. Aqueles nove leprosos continuaram a cumprir a Lei, indo ter com os sacerdotes; o samaritano cumpriu a sua liberdade de não seguir esse caminho e de voltar para dar glória a Deus.

Isto faz-me pensar na tamanha falta de liberdade com que foram desenhadas, como que em série, muitas vidas cristãs. Levantar de uma situação e seguir um  caminho próprio não é fácil. Também não se fará se se continuar no isolamento: há que gritar e mover nalguma direção. Ver-se curado da “lepra” espiritual (a mais perigosa!) depende, definitivamente, da relação com Jesus Cristo, até ao ponto de fazer, como Paulo, do Evangelho como algo propriamente seu. Não para cada um criar a sua própria religião. Anátema! Mas para estarmos, cada qual com a sua própria individualidade, unidos em Cristo Jesus, em Igreja, como deseja o Papa Francisco:

A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos.

O grande risco do mundo actual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado.

Evangelii Gaudium, nn. 1-2.

O Evangelho de hoje mostra-nos duas manifestações em alta-voz: uma de súplica, outra de agradecimento; aquela a uma distância imposta pelo mundo, esta de aproximação ao amor de Deus através de Jesus. Penso ser esta atração o modelo que o atual Pontífice quer para a Igreja “em saída” ao encontro dos que vivem marginalizados, também manifestado na sua Mensagem para o Dia Mundial das Missões 2016:

A misericórdia gera íntima alegria no coração do Pai, sempre que encontra cada criatura humana; desde o princípio, Ele dirige-Se amorosamente mesmo às mais vulneráveis, porque a sua grandeza e poder manifestam-se precisamente na capacidade de empatia com os mais pequenos, os descartados, os oprimidos (cf. Dt 4, 31; Sal 86, 15; 103, 8; 111, 4). É o Deus benigno, solícito, fiel; aproxima-Se de quem passa necessidade para estar perto de todos, sobretudo dos pobres; envolve-Se com ternura na realidade humana, tal como fariam um pai e uma mãe na vida dos seus filhos (cf. Jr 31, 20).

[Oração] Sal 97 (98)

[ContemplAção] Em: twitter.com/padretojo

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