Que espírito obedeceria a uma letra morta?

[Leitura] 1 Sam 1, 9-20; Mc 1, 21-28

[Meditação] Nos evangelhos, aparece muito frequentemente o debate entre Jesus e os escribas, que é sinal de um debate profundo entre a Palavra que dá Vida e a lei, entendida como letra morta, cuja inércia nada faz ou, inclusivamente, pode levar à morte. Poder discernir sobre se um espírito é impuro ou está “embriagado” pelo sofrimento atroz depende de saber de que lado estamos nesse debate.

Como se constata, nem os escribas obedecem total e puramente à lei. Esta, sem o Espírito que lhe dê vida, leva à impureza ou ao sofrimento. Paulo tinha razão quando dizia: «Tu, que te glorias da Lei, ofendes a Deus pela transgressão da Lei!» (Rm 2, 23); já Jesus tinha declarado: «Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu» (Mt 5, 20).

A Palavra viva que é Jesus faz-nos viver, a letra morta pode ser usada como “espada” para “matar” ou apagar a torcida que ainda fumega (cf. Is 42, 1-4. 6-7). Por isso, a relação com Deus é o espaço onde não pode caber qualquer tipo de vergonha ou formalismo, porque Ele vê tudo. Como é bom, também, cada um poder ver tudo à luz da sua Palavra. Ajuda, também, a visão de um terceiro, como Heli foi para Ana, embora também ele tenha duvidado na avaliação inicial do problema dela! De facto, há “desabafos” que parecem, inicialmente, “embriaguez”, até que a pessoa se abra e partilhe a angústia que a faz apresentar-se de certa maneira. Para Deus não há etiquetas que possam delimitar ou obstruir o caminho para o encontro terapêutico.

Os médicos começam a provar que há dores espirituais que fazem sofrer fisicamente tanto como as doenças meramente físicas. É importante deixarmos de vez de acompanhar as pessoas somente segundo um ponto de vista (“legalizado” por uma ideologia eclesial ou científica qualquer). É urgente que cada agente pastoral estude um pouco mais (entre o Evangelho e as ciências humanas) ou se faça participar, com o que sabe, em equipas interdisciplinares de escuta e acompanhamento.

Foi assim a autoridade de Jesus: obediente ao Pai, dialogante com o Espírito, solícito a qualquer “grito” ou “desabafo” que Lhe aparecesse à frente. Imitá-Lo faz com que não escrutinemos muito a quem havemos de atender, como se fossemos um gabinete de contabilidade ou de desambiguação de problemas, pautados por códigos fechados que só garantem, quando muito, o seguro para uma vida terrena. “Cafarnaum” é um símbolo da luta contra a inconstitucionalidade das leis que matam a cidadania do Reino dos céus.

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