Fidelidade: a forma do verdadeiro amor
[Leitura] Jos 24,1-2a.15-17.18b; Ef 5, 21-32; Jo 6, 60-69
[Meditação] Sempre achei provocadora a linguagem de São Paulo aos Efésios sobre a relação entre o marido e a esposa. À primeira vista, leva a entender uma certa superioridade do marido em relação a ela, não deixando entrever a igual dignidade que Cristo veio declarar existir entre os dois desde a sua criação (cf. Gn 2). Bem, estamos perante um desenvolvimento histórico de culturas e das linguagens com que as mesmas vão evoluindo. Mas, no essencial, o que o Apóstolo nos quererá dizer? Será verdade que ele apoia a desigualdade de dignidade? Não! Vejamos: ele dá ao marido, à partida, uma maior responsabilidade; é ele que, de antemão, deve amar a sua esposa e tratá-la como do seu próprio corpo se tratasse (vê-se aqui uma clara alusão ao Génesis 2, 21). Qual seria a esposa que não se quereria deixar envolver por tão grande amor e cuidados? Que mulher deixaria de estar ligada a um homem que deixou casa, pai e mãe para se unir somente a ela (cf. Gn 2, 24)? É com esta linguagem que se pode entender melhor a palavra “submeter”, no sentido de fidelidade a um amor grande, responsável. Assim é o amor de Cristo em relação à Igreja, sua “esposa”. Talvez no tempo em que São Paulo escrevia, na comunidade dos Efésios, as mulheres fossem causa de tristeza para os maridos, abandonando os seus lares por qualquer leviandade. Talvez, também, alguns maridos não as amassem com todos os cuidados… Enfim, este desencontro repete-se na nossa sociedade. Parece que três mulheres por hora apresentam queixas por agressões do cônjuge ou companheiro (parece que também acontece o contrário, embora em menor estatística). A união matrimonial está em causa, devido à falta de compromisso duradoiro; deixou-se que pessoas fizessem parte da dinâmica do descartável; alguns homens e mulheres deixaram de questionar se os valores que convictamente professam são verdadeiros valores. Estes, mesmo que sejam duros de seguir, exigem fidelidade. Quem não quer ter uma casa com alicerces seguros?
Este discurso não é importante só para a relação entre os cônjuges, no Matrimónio; é-o, também, na vida cristã, na relação com Jesus e com os irmãos. Por vezes, há palavras de Jesus que não conseguimos entender e, por isso, não queremos aceitar pôr em prática à primeira. Por isso, muitos afastam-se ou vivem como se se pudesse viver a Igreja sem Cristo ou seguir Cristo sem a Igreja, esta “esposa” que, apesar de pecadora, procura transmitir fielmente a Palavra contida nas Escrituras através de uma saudável Tradição. Por isso, Jesus convidou os seus discípulos a permanecerem e a segui-Lo, pegando cada um na sua cruz. É por aqui que se poderão ver grandes prodígios: quando aceitarmos tudo o que Jesus disse e fez integralmente. Mas cuidado! Não se trata de repetir o que é secundário, da cultura e linguagem do tempo de Jesus; trata-se, antes, de perceber o sentido da Escritura, interpretado em comunhão com a Igreja. Também Jesus fez rutura, continuidade e progressão em relação às coisas do seu tempo. Por vezes, “dá-se banho à criança e deita-se esta fora em vez da água suja que está na banheira”.
É assim, o amor verdadeiro: exige que se opte pela fonte e garantia mais forte. Mesmo assim, ele exige uma forma: a da fidelidade. Sem esta, a vida pode perder-se num rio fluido da confusão, quando, na verdade, o seu maior sinal e meta é a concreta Fonte.
[ContemplAção] Em: twitter.com/padretojo