Carne e Sangue de Cristo, «gourmet» divino integral para todos

[Leitura] Prov 9, 1-6; Ef 5, 15-20; Jo 6, 51-58

[Meditação] Hoje em dia, à volta da problemática dos divorciados recasados e não só, tem-se debatido o acesso à comunhão por parte de quem é considerado indigno para tal. E o debate não está fechado…, uma vez que os que se encontram nessa “fronteira” não são considerados propriamente “excomungados”. Por outro lado, não se tem refletido suficientemente sobre os que poderiam comungar o Corpo e o Sangue de Cristo por estar numa situação “regular” e, frequentemente, não o faz por vários tipos de respeitos humanos. Talvez caiba nesta pouca frequência à comunhão alguma ou muita falta de fé ou de visão integral da Pessoa de Jesus Cristo, associada a um medíocre ou demasiadamente escrupuloso exame de consciência. Não serão estes cristãos “dentro da regra” que não comungam regularmente parecidos com os judeus escandalizados com a declaração da Carne e Sangue de Jesus como “verdadeira comida e verdadeira bebida”? Acontece, pois, que o debate da comunhão pode tem duas faces: os “não regulares” a acreditar e a necessitar da comunhão e a não poderem comungar; os “regulares” a não usufruirem dessa possibilidade, negando escandalosamente a possibilidade de receber para partilhar esse dom de vida eterna que Jesus nos pede para transmitirmos a todos pela via da caridade. O “tecido” real deste debate pode levar-nos a perguntar: de que largura é a fronteira entre os que não podem comungar e os que podem e deveriam fazê-lo para serem testemunhas da vida que Cristo nos dá a partir do alimento que Ele é? A Igreja que o Papa Francisco pede que esteja «em saída» é suposto ser uma Igreja que comunga Cristo, para O levar às periferias. Da enfraquecida missionaridade da Igreja atual pode concluir-se uma falta de comunhão com Ele, quer nas sua Palavra, quer no comer da sua “Carne” e do seu “Sangue” na Eucaristia. Ou seja, fraca missão, ausência de comunhão.

Habitualmente, achamos o gourmet tão presente na culinária atual, uma forma de gastronomia que não é acessível a todos, quer pelo caro que se torna compará-la, quer, por vezes, por não se compatibilizar com a gastronomia tradicional, o que faz com que certas tendências gastronómicas “agourmezadas” acabam por ficar associadas a certos grupos de elite gastronómica. Talvez esteja a acontecer assim com a Eucaristia: há aqueles para os quais a comunhão eucarística implica uma demasiada ascese ou regularização da vida acabam por ficar de fora; há aqueles que, mesmo estando “dentro”, se sentem indignos de comungar e não vão mesmo; há, ainda, aqueles que, mesmo sentindo-se pecadores, comungam o alimento que dá força para viver uma vida melhor, acreditando que acolher a misericórdia de Deus também passa por aceitar aquele Alimento.

A liturgia deste dia faz-me lembrar o cardeal vietnamita François-Xavier Nguyên Van Thuân que, na clandestinidade de Auschwitz, celebrava a Eucaristia com um pequeno pedaço de pão e umas gotitas de vinho na palma das mãos. No livro «Caminhos de Esperança», que recolheu as suas mensagens que ia escrevendo para se comunicar com as suas ovelhas, podemos ler: «Sempre inspirado pela criatividade amorosa, Van Thuan escreveu uma carta aos amigos pedindo que enviassem um pouco de vinho, como remédio para doenças estomacais. Assim, a cada dia, três gotas de vinho e uma de água eram suficientes para trazer “Jesus eucarístico” à prisão. Os pedacinhos de pão consagrado eram conservados em papel de cigarro, guardado no bolso com reverência. De madrugada, ele e os poucos católicos detidos ali davam um jeito de adorar o Senhor escondido com eles.»

As leituras deste XX domingo do tempo comum (B) sugerem-nos não vivermos na insensatez, corrigindo a irreflexão que nos faz perder tempo e nos impede de seguir o caminho da prudência. Urge a presentar como claros os caminhos da vida eterna que Jesus Cristo nos veio abrir com a sua oferta de vida, a sua Palavra, a sua Paixão, Morte e Ressurreição. Ele mesmo afirmou: se comerdes a minha carne e se beberdes o meu sangue, tereis a vida em vós e permanecereis em Mim e eu em vós. O Papa Francisco declara, na sua recente Encíclica «Laudato Si’» (n.º 236) que a Eucaristia é onde «a criação [de Deus] encontra a sua maior elevação», atingindo «uma expressão maravilhosa quando o próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de fazer-se comer pela sua criatura», de forma que «no apogeu da do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria», não fazendo de cima, mas de dentro, para podermos «encontrá-Lo no nosso próprio mundo». Assim sendo, como faremos nós para acabar com os escândalos que nos afastam de comer o Corpo e o Sangue de Cristo, de forma a termo-Lo a trabalhar dentro de nós? Para os que andam mais “afastados”, não seria de encontrarmos formas novas de O fazer contemplar, mais mediados pela sua Palavra e menos palavras, mais exemplos de Adoração verdadeiramente eucarística, através da prática de boas obras, para que acabe aquela dura e grande fronteira que nos separa dos que se sentem ou dos que realmente estão “excomungados”, por causa da “prisão” que os liga a diversas vicissitudes. Como diz o Papa, «a  Eucaristia é também fonte de luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio ambiente, e leva-nos a ser guardiões da criação inteira».

[ContemplAção] Em: twitter.com/padretojo

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