Senhor, que queres que eu faça? Que vejas!
[Leitura] Sir42, 15-26 (gr. 15-25); Mc 10, 46-52; C. S. LEWIS, As Crónicas de Nárnia: A Viagem do Caminheiro da Alvorada.
[Meditação] Não, não me enganei a copiar a perícope do Evangelho. É uma paráfrase ousada de Mc 10, 51 para “virar o bico ao prego” na compreensão desta cena, no sentido de sabermos lidar com o paradoxo subjacente: o cego reconhece Jesus como Messias, enquanto que a maioria dos que estavam no caminho viam apenas Jesus de Nazaré. Aquele cego já O seguia interiormente, mas precisava também de caminhar atrás d’Ele para desenvolver o seu itinerário interior. Os que têm a visão física e seguiam o Mestre tiveram esta oportunidade para descobrir que o “caminho” precisa de ser mais profundo, iluminado pela fé, que não é uma questão meramente física. Na história “A Viagem do Caminheiro da Alvorada” (no filme ao minuto 2:09:00), assistimos ao “rugido” de Aslan para dar a visão da sua presença a um anão amiguito de Lucy, a quem mandou chamar (como Jesus no Evangelho), a quem Lucy já tinha falado do misterioso Leão. Trata-se de Trumpkin, um anão vermelho incrédulo que muda radicalmente ao encontrar-se com Aslan.Percebe-se, nesta maravilhosa aventura dos Príncipes e Reis de Nárnia, que a amizade de Lucy já era muito agradável no sentido de o anão se sentir próximo de uma figura misteriosa, mas para Lucy não bastava (e por isso, falava dele a Aslan). Era preciso um encontro pessoal e uma visão pessoal do caminho e daquele a quem o caminho levava. Assim se passa também com a nossa experiência espiritual: não basta que outros nos falem de Deus; é preciso fazer uma experiência pessoal de Deus. Na vivência social, nem sempre os que fazem a experiência externa e ritual da fé “deixam” ver de perto essa mesma experiência (ritual e sacramental). Por exemplo, hoje em dia, está muito em moda que nos atos sacramentais todos queiram tirar fotografias com as suas máquinas digitais, tablets e smartphones. Não acredito que estejam a ver bem o Sacramento e muito menos a deixar ver os outros, uma vez que armam uma grande fronteira junto ao rito.
Urge falarmos a Deus sobre pessoas que não estão tão perto dos ritos que frequentamos. Nas lutas do dia-a-dia, é preciso fazer “passadeiras” floridas não só para Deus e Nossa Senhora passarem, mas também para que os nossos irmãos sem fé as possam trilhar. Quem não as calcaria sabendo que no final está um mistério a acontecer? Há quem não veja senão um símbolo, que é só metade ou parte da realidade misteriosa; e há até quem confunda os símbolos, desligando-os de qualquer possibilidade de encontro com o mistério e não acalentando a possibilidade de “saltar” para a Realidade para a qual o símbolo serve de “prancha”. Se a vivência dos mistérios não liga aos irmãos que “não veem”, é porque os que os vivem só veem por fora, não servindo de “ponte” ou “prancha”.
O Senhor não demorou a dar a visão física ao filho de Timeu para fazer ver pela fé aos que já O acompanhavam no caminho. Somos, pois, convidados a ser também “filhos” de Timeu, quer dizer: capazes de valorizar (estimar, trad. de “Timeu”) mais a divindade de Jesus Cristo, reconhecendo n’Ele não só a presença, mas também a missão que nos incumbe de fazer: dá-Lo a conhecer a todos.
ContemplAção] Em: twitter.com/padretojo