A criança interior

Hoje, parece estar na moda atribuir aos tratos da educação da infância as circunstâncias boas e adversas da personalidade adulta. Será que é mesmo assim tão automático? Muitos estudos têm vindo a ser feitos ao longo destes últimos anos sobre esta questão, uns mais convincentes que outros. Convincentes são os estudos elaborados a partir da comparação da personalidade adulta de gémeos verdadeiros, assim como a partir de crianças adoptadas em relação aos seus pais biológicos e adoptivos.

Estes estudos têm demonstrado aquilo que muitas vezes não é de imaginar: há traços que são genéticos: por mais que os pais adoptivos eduquem num determinado sentido uma criança, há predisposições herdadas dos pais biológicos que jamais deixarão de condicionar as suas vidas; assim como há, também, traços de influência ambiental/comportamental, derivados da educação e interacção com o ambiente, como nos prova o estudo comparativo dos gémeos verdadeiros. Seja como for, estes estudos nunca são conclusivos, mas revelam-nos somente probabilidades. Nunca poderemos fazer afirmações absolutas de estatísticas relativas!!

A insistência em atribuir sempre os males da fase adulta à idade da infância poderá ter a seguinte justificação: ao genocídio nazi, cujas vítimas eram consideradas geneticamente defeituosas,  reagiu rápida e prontamente a psicologia ambientalista americana. Depois da segunda grande guerra, tudo o que tivesse sabor a causa genética, era considerado tendencioso e um desc
er derradeiro e perigoso ao genocídio. Acontece, porém, que esta última tendência é também uma reacção. Objectivamente, continua cientificamente a comprovar-se que atribuir tudo à educação infantil é demasiadamente confuso e arbitrário. As tendências genéticas também estão presentes em muitos dos males da vida adulta, assim como nos bens, temos de dizer.

O interessante é que algumas das contrariedades da vida adulta têm as suas causas, precisamente, na fase adulta: circunstâncias, relações pessoais, oportunidades, perdas… Ainda que as estatísticas se repartam as duas metades para as duas faces do passado – educação/ambiente e genes, há sempre uma criança no interior de cada um de nós. E que tem muita força! É uma presença com causas pré e pós-parto, que nos faz herdar muitos condicionamentos. No entanto, não lhe atribuamos todos os males! Se calhar é a defesa de maiores bens, quando nas circunstâncias actuais em que cada um vive é a criança interior que sabe maravilhar-se com as circunstâncias boas e, ao mesmo tempo, a consciência da necessidade que nos avisa (através da ansiedade, do pânico, da depressão…) que nos devemos defender e adaptar diante de algo perigoso que está para acontecer.

Se quisermos ser verdadeiramente felizes, temos que nos tornar, mesmo, como as crianças! (cf. Mt 18,3)

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