O caminho do deserto à iluminação pascal: 1/crer→2/escutar→3/amar→4/ver→5/viver ─ através de uma liturgia colaborativa que se desdobra em anúncio, profecia e testemunho

1Sm 16, 1b. 6-7. 10-13a; Sl 22 (23), 1-3a. 3b-4. 5. 6; Ef 5, 8-14; Jo 9, 1-41No IV Domingo da Quaresma

Já estamos no 4º domingo da quaresma. Começámos no 1º domingo, com Jesus, pelo deserto, aprendendo a superar o poder, o prazer e o possuir, optando pelo caminho da obediência filial, da castidade esponsal e da partilha fraterna, que se concretizam na oração, no jejum e na esmola.

No 2º domingo, Jesus levou-nos ao alto monte para purificar a escuta: escutá-l’O só a Ele e não os medos que nos impedem de procurar uma religião de sucessos, que nos leva a fugir das canseiras da vida quotidiana.

No 3º domingo, tivemos uma lição extraordinária de pedagogia da fé, da esperança e do amor, entre Jesus e a Samaritana. Nenhuma condenação, da análise à síntese que permite estar em missão de anunciar a água viva que é Cristo.

Neste 4º domingo, no caminho em que Se encontra com o cego de nascença, Jesus dá-nos mais um sinal da sua glória, apresentando-Se como a Luz do mundo que ajuda a esclarecer o problema do mal, diante do qual é mais necessário e urgente trabalhar do que condenar.

Temos neste relato uma fonte de sentido para o nossa catequese e/ou catecumenado que dá início à vida batismal dos cristãos, passando pelo rito da celebração sacramental. Este coloca-nos num caminho que pode ir da plausibilidade da visão farisaica à cegueira crente. Esta sabre os olhos ao caminho da graça divina, aquela tem uma fixação pela condição do pecado humano. Não há pior cegueira espiritual de que não acreditar que todo o ser humano é capax Dei, capaz de Deus. E Jesus veio para, em cada ser humano, despoletar o “parto” de cada caminho pessoal para Deus. Comunidades, estamos capazes de criar estes ambientes em que cada pessoa humana possa dar início e continuidade ao seu caminho de cura, anúncio e profecia? Para isso, é preciso uma fidelidade criativa, que não deixa ficar as coisas como estão. Esta rigidez costuma fazer parte do lastro farisaico que ainda habita a nossa história religiosa. Os cristãos humildes, não têm medo de reconhecer as ações sacramentais e pastorais dos batizados convictos e consagrados na missão de hoje.

A conversão é um processo entre a cegueira humildemente assumida e o acolhimento da visão da fé. E a confirmação de que está no caminho certo é a “via sinodalis”, na caridade para com todos. Se, pelo contrário, parece que vemos tudo, menos os irmãos com quem o Senhor nos chama a partilhar o caminho, então estamos no caminho contrário ao da conversão ao Reino de Deus. O banco de prova de uma conversão real e não meramente cosmética é a de que o caminho nos leva ao outro.

A cura do cego de nascença ─ personagem-tipo dos discípulos de Jesus ─ acontece em duas fases do encontro com Cristo, com várias etapas:
A) Aquela em que ele defende a sua identidade pessoal diante dos vizinhos.
B) Aquela em que ele dá testemunho de Jesus aos demais.
C) Aquela em que ele professa a fé diante do próprio Jesus.


No caminho, interagem várias personagens-esboço a indicar-nos fases ou aspetos e, inclusivamente, resistências à conversão cristã, em que o próprio Jesus serve de “júri”:
1) Os discípulos de Jesus: preocupados com a causa moral do mal, em vez do que é preciso operar para livrar do mal.
2) Os vizinhos do cego: habituados a vê-lo sentado como indigente, não reconhecem a sua dignidade aquém da sua condição de cego.
3) Os fariseus/judeus: insistem em ligar o pecado do cego ou dos seus pais à sua cegueira física, não sendo capazes de ver em Jesus a origem da cura integral, permanecendo, pela resistência, no seu pecado ou doença espiritual. Os que afirmam que o pecado é causa da cegueira física não reconhecem que a sua cegueira espiritual não assumida é causa do pecado.
4) Os pais do cego: fecham o filho, agora declarado adulto, na lógica fechada da sinagoga, responsabilizando-o temerariamente pela sua profissão de fé em Jesus.

O caminho da fé cristã tem, necessariamente, de passar de uma infância de certa forma ingénua à maturidade adulta, entre o que herdamos da educação cristã e as decisões pessoais livres que tomamos, na abertura às obras que Deus realiza no caminho de cada pessoa. Estas mostram como o verdadeiramente crente em Jesus pareça um estranho aos olhos do mundo, para demonstrar, pelas atitudes, a adesão à filiação divina. Doravante, na Igreja, o catecumenado é isto: a abertura livre de uma pessoa à manifestação das obras de Deus em Jesus (seu verdadeiro Sinal), no Espírito Santo.

No 5º domingo, quase no cume deste caminho quaresmal, ser-nos-á colocada diante dos nossos olhos da fé a possibilidade da ressurreição da carne, com a experiência da ressurreição de Lázaro.

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