O discernimento de espíritos

Hoje celebramos a memória de Santo Inácio de Loiola. Ao reler a pequena descrição da sua história que vem na Liturgia das Horas, fico surpreendido como a complexidade se pode descrever com a simplicidade:

«Nasceu no ano 1491 em Loiola… seguiu primeiramente a vida da corte e a vida militar. Depois, consagrando-se totalmente ao Senhor, estudou teologia em Paris e aí reuniu os primeiros companheiros, com quem mais tarde fundou em Roma a Companhia de Jesus…»

O “antes” e o “depois” da sua vida foi marcado por um momento de total consagração. Conhecer a história de um Santo ou não conhecer faz toda a diferença, para percebermos que esta afirmação simples de total consagração ao Senhor tem por detrás um caminho complexo. Conta-nos na sua “Autobiografia” que ele foi ferido em combate: uma bala de canhão estilhaçou a sua perna direita. Deus não o fez, mas permitiu, pois esta paragem na vida militar de Iñigo (seu nome original) levou-o a ocupar os tempos livres na leitura, não com os romances de cavalaria, que estava habituado a ler, mas com os livros que estavam disponíveis no seu Castelo de Loiola: a Vida de Cristo e a vida de alguns Santos, concretamente S. Francisco e S. Domingos.

Foi a partir desta experiência de leitura que ele começou a saber distinguir dois tipos de pensamentos: dos pensamentos fantasiosos provenientes das leituras de romances, sobre os quais ele repousava longamente, derivava o prazer, mas quando cansado de pensar e distanciando-se deles, vinha a tristeza. Por outro lado, quando se detinha, também longamente, a considerar o que lera na Vida de Cristo e na vida dos Santos, o fruto do pensamento derivado dessas novas leituras, quando se distanciava delas era uma profunda alegria e o desejo de imitação. Esta alternância de pensamentos, derivado dos dois tipos de fontes (mundana e divina), sucedeu-se por longo tempo. Foi a partir desta experiência que Inácio, mais tarde, nos seus Exercícios Espirituais (313 e ss), escreveu as regras para o discernimentos dos espíritos.

O  meu(minha) caro(a) leitor(a) poderá não ter disponível um mês ou até somente uma semana para fazer estes Exercícios Espirituais, mas ponha-se, no quotidiano, a considerar os comuns sentimentos de tristeza e alegria, estando atento(a) às sua fontes: o que terá causado esta tristeza e aquela alegria? Através deste exercício, que está ao alcance de todos os que gostam de meditar sobre a vida, poderá melhor aceitar também a alternância, de momentos de consolação e de desolação, próprios de quem peregrina na vida espiritual. “Consagrar-se totalmente ao Senhor” é este, porventura, longo caminho de peregrinação interior…